segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Prosas que o Mundo dá XXIX

 

O número 708

O número 708 nunca mais seria o mesmo. Nas paredes brancas estaria para sempre guardada uma parte da alma do anjo caído. Nunca mais aquelas ruas teriam a mesma impessoalidade... A lembrança do número, das paredes, da TV ignorada, dos anéis de fumaça, dos jogos de luz e sombra arranhando as sentimentalidades da alma. As músicas ouvidas não mais tocariam aqueles ouvidos sem arrancar lágrimas. Com que dor aquele coração de criança sentiu os lábios se encontrarem antes do portão de embarque. A cabeça chorosa que pedia colo só precisava disso, dispensava palavras. A alma cansada de fugir... A alma cansada... A alma... Doendo a sua dor sem poder curá-la... Sucumbindo tempos e espaços... Desejando fechar tudo, apagar a luz e acabar com todos os tormentos de uma única vez. Não há tanta força nesse anjo caído, apenas uma competência no fingir...O corpo exausto, o coração machucado, a alma retalhada do anjo caído observam com descaso as paredes do hospital. E quem se importa? As agulhas ferem a pele, mas com que competência outros motivos ferem a alma... Tudo tão branco... Tudo sempre tão branco... No 708, as roupas negras despidas e o cimento da construção... No quarto hospitalar pequenas gotas de sangue para que o líquido incolor possa amenizar a dor... Dor de viver sem ter vivido, dor de ter braços pequenos demais pra salvar seu mundo, dor de não ter mais janelas abertas e de ver muros se reconstruindo... Biópsia!!! A palavra que causa arrepios, retorna forte a afiada a me agredir... 18 anos passaram não tão rápido, mas os fantasmas voltam a ter nome, forma e medicação... Os fantasmas ameaçam mais uma vez, o anjo caído que só pode contar consigo... Independência e dor que nunca foram uma escolha... Alguém bate à porta, o sol se esconde, a noite se espalha fria... Os ruídos de noite calma, para dentro de paredes brancas, onde a calma não visita mais o anjo caído... A caneta e o papel chegam em boa hora...Se não há com quem falar, que haja um papel em que despejar o que hoje mais dói... E o que hoje mais dói, não é a parede de hospital e nem as agulhas, mas, sim, a preocupação com um cavaleiro distante... E, mesmo com a cabeça a explodir e a respiração a falhar atrevo-me a escrever e a insistir na leitura que interrompi há algum tempo...

"Não há noite que sempre dure, nem espera que nunca acabe..."


ESCRITO POR DARLA MEDEIROS
POSTADO POR JAQUELINI H. MEDEIROS

4 comentários:

  1. com certeza : "Não há noite que sempre dure, nem espera que nunca acabe..."

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  2. É, irmã... Estou surpesa... Não sabia que você escrevia tão bem... Espero ter feito tudo certinho... Seja forte...

    JHM

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  3. A prosa poética privilegia o estilo, enfatiza o clima, a cena, a luz, as emoções, em detrimento da narrativa, que se torna desnecessária em meio a tantos elementos expressivos...

    A arte cumpre seu papel de emocionar aqueles que entram em contato com ela, mas é monólogo. Quando, e se, o diálogo se fizer necessário, quando um outro ponto de vista puder iluminar a noite e apontar o horizonte matinal, não se acanhe...

    A tecnologia ainda não é capaz de transmitir o calor de um abraço, mas certamente entrega as palavras de carinho.

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  4. Amiga, Nívea... Eu escrevo e torço para que as coisas sejam assim... Irmã, você fez certo, sim, e obrigada pelo elogio das palavras que deixou aqui...

    Querido, Diego, professor e amigo... Nem só de monólogos se faz minha estrada, nem só de poesia e nem só de abraços que as telas não deixam transpôr... Tudo que aqui exponho é um pouco de mim e do mundo ao meu redor... As personagens se misturam, as dores se amam, os ódios potencializam sentimentos, as dores os libertam... Estou aprendendo, experimentando, libertando, em prosa, poesia, monólogo ou não, um pouco do que grita em meus sentidos e pensamentos sem pedir licença, sem pedir razão, sem me deixar opção...

    Obrigado aos que passam por aqui e deixam suas pegadas e aos passam silenciosos compartilhando um pouco dessas palavras e desses sentimentos...

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