domingo, 16 de outubro de 2011

Três Pontos Negros II

 

Está Tudo nos Papéis...

Ele diz que não sabe... Não sabe o que fazer, nem pra onde ir, nem o que dizer... Que não sente nada. O nada é ausência de algo, mas não é completo vazio. A tarde quente me faz sentir frio... Calafrios...  Adormeço em pesadelos que não me abandonam mais... Tento encontrar o mago, reencontrar a musa, mas está tudo nos papéis, históricos impressos, está tudo ali... Nos papéis... Mas, além dos papéis... O que há em mim? Dores, náuseas, turbulências e, talvez, ódio... Ódio de mim mesma por acreditar tolamente mais uma vez no que não deveria, em quem não deveria... Dizer do amor todos dizem, na hora de praticar, poucos se atrevem... Quantas vezes não falou de amor, como o fez? Quantas pessoas enredou? Quando a dor despeja-se aos litros para perto de mim e não chove mais, para que a água leve tudo o que pesa em meus ombros e transforma meus sonhos em pesadelos, transbordam os sentimentos... É uma chuva salgada que escorre pelo rosto e afoga em soluços, nem sempre tão silenciosos, quanto eu gostaria... O choro baixinho, quando em pesadelo, grita o nome de quem já não pode ouvir, mas quem não deveria também ouve... As paredes vão comprimindo a dor, nos lábios ressecados e feridos, nas poucas vezes em que me alimento e nas outras em que esqueço de fazê-lo. Escuridão entre quatro paredes brancas em que os olhos teimosos de uma Amy Lee de outras épocas parecem me censurar, mas agora tanto faz... Eu não sonho mais... E, de repente, tudo foge num estalo e eu vou esquecendo o rosto e corro às fotografias como que para resgatar o meu objeto de amor, como se resgatando a lembrança, resgatasse a vontade de viver um sopro a mais... Cadê ele que não aparece nem para atirar espinhos? Cadê o orgulho que eu deveria ter e a pessoa otimista que eu deveria ser? Cadê que consigo correr deste quarto e dessa infelicidade de paredes brancas? Cadê que esqueço da próxima dose de dor gelada nas veias? Só pra lembrar que nem tudo está em paz no reino na química... E a química que me compõe não liberta mais meus passos nem torna leve meus pensamentos... Olhos no espelho, eu já nem quero mais... Não me atrevo a olhar para o farrapo de vida que me torno... Não é a doença que me mata... É não ter vontade de fugir dela, é estar entregue, é não ter motivos... Nessa infeliz-cidade... Tudo parece mais cinza do que de costume... Sou eu que caminho mais uma vez, tentando me perder nas ruas estreitas e lembrando das mãos que seguravam as minhas há tão pouco tempo atrás... Pela mesma margem em que as pedras tocam o mar e a água salgada faz estranhos desenhos e tece estranho balé sobre as pedras... O mesmo balé e os mesmos desenhos que paraste silencioso a observar... As mesmas pedras por onde vi o pequeno peixinho passar rapidamente e esconder-se, o peixe que te mostrei e você nunca viu... Sento-me no mesmo meio fio em que a poeira atingiu nossos olhos desprevenidos a observar David Gilmour no grande painel, à beira-mar antes do evento que não assistimos... Sou eu que sento em todos os lugares do aeroporto em que posso te ver, mesmo que você já não esteja... Sou eu... Eu que fico ali, olhando para o nada e deixando lágrimas teimosas fugirem pelas portas da alma, como fizeram no dia em que você ultrapassou o portão de embarque e eu tive vontade de atravessá-lo com você... Esta sou eu. Sim, estou aqui! No mesmo quarto, lembrando das mesmas palavras, dos aneis de fumaça, da escuridão, do peso das mãos, do quarto para fugir do mundo a que me convidavas e eu aceitava o seu convite com um abraço. Aqui estou eu, número 708, janelas para a construção que me lembra o clipe do Lacrimosa, que me lembra a pizza, que lembra você em meu colo, que me lembra cada abraço, que me lembra o nosso reflexo em frente ao espelho... Que me lembra do slogan da companhia aérea que te trouxe... Era meio-dia e pousavas em minha vida... O slogan dizia: "Voando para conquistar você!"... Rias da ironia da frase, rias do meu desconcerto, olhavas em meus olhos e parecias enxergar para além deles, apreciavas monumentos, quaisquer que fossem... Vencias os meus muros, ocupavas horas dos meus dias, dizias palavras doces, falavas com tanta leveza, parecias tão sincero... Me colocavas para dormir, aproximavas o rosto da câmera e falavas de amor... E, agora, não entendes, não entendes que não importam os espinhos, que eu não me importo com eles e que qualquer silêncio mata mais do que palavras rudes... Qualquer silêncio, qualquer ausência, qualquer coisa que não venha dói mais, muito mais, do que o líquido gelado que queima as veias,  torna os dias menos toleráveis, faz o corpo suar frio e potencializa tudo o que lembro, tudo o que leio, tudo o que sinto e é seu, e é meu, e é nosso, mesmo que os espinhos o sucedam, mesmo que eles o precedam, mesmo que venham em par... As velas e a escuridão fazem o violão dedilhar coisas sem nexo ao balanço das sombras, no rítmo das figuras dançantes que se projetam na parede, mas nada está em paz... A primeira música e o olhar no vazio e a sua figura forte à minha frente, a impressão de poder esticar o braço e alcançá-lo é tão forte que posso sentir o cheiro, a presença, a respiração... Não há silêncio que afaste essa presença, nos pesadelos ou em cada minuto respirado... Meu bem, você pediu tantas vezes para fazer parte dos planos. Você faz parte deles e agora é tarde demais...
 

"Podia ser só amizade, paixão, carinho, admiração, respeito, ternura, tesão. Com tantos sentimentos arrumados cuidadosamente na prateleira de cima, tinha de ser justo amor, meu Deus?"
(Caio Fernando Abreu)

Escrito por Darla Medeiros

Postado por Jaquelini H. Medeiros

2 comentários:

  1. Sempre que chego por aqui me surpreendo... Deverias pensar seriamente em levar a escrita a sério, Darla... Tem tudo pra dar certo... Como sempre muito bom...

    Prof. José Antônio

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  2. Muito grata, professor... Mas, repito, levar a escrita a sério não é algo que eu possa fazer sozinha... Então, fico por aqui, faço o que posso, faço o que preciso, liberto palavras antes que elas me aprisionem ou se aprisionem dentro de mim e não queiram mais sair.

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