sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Amor em pares: Sobre Laura e Arthur XII


Alma em Flor

Derramavam-se as lágrimas do mundo, dos olhos de Laura... Pelas gotas que o chuveiro libertava, elas se perdiam... O tempo era uma estrada incerta... O mundo uma rua vazia, com um assassino de tocaia, espreitando cada passo. Os olhos queimando em brasa não eram capazes de libertar o olhar. Onde estava o seu lar? As gotas chiando, caindo, cantando... O vapor se propagando pelas paredes que também faziam-se quentes... Mas, ela sentia frio... Na noite que nunca findava, a lembrança do eterno outono em que Arthur se escondia era tentadora. "Ah... Se você pudesse me ver, quando me olha e me sentir, quando me toca" - pensava ela. A água quente se derramando, a pele morna se aquecendo, as paredes brancas, o vapor, um tempo incalculável... O moço correndo pela avenida, com pressa nos passos e lágrima no olhar... O moço de roupas cinzentas, sua magreza, sua tristeza, a cabeça a recostar-se ao ombro... Vapor!!! Um calor que a alma não rejeitava, que o corpo consentia e o espírito acelerava, o corpo agitava, sem pressa se envolvia... Um momento de vibração na imensidão do corpo pequeno e, depois, o esmorecimento dos membros inferiores, do todo, do mundo, das partes e das somas...  Um mundo tão distante passeava pelas mãos, pelos cabelos, as costas, a palidez, macias sensações, líquidos e libertação. Sentar-se, então, embaixo do chuveiro para ver a água correr, ouvir seu som, transportar suas lembranças... E algumas, nunca existiram fora de sua mente... Um tempo curto para um sentimento grande demais... Talvez houvesse mais tempo... Talvez não fosse tão grande o sentimento... A alma em flor, pulando de paraquedas, no dia do amor perfeito... Um estranho par de corpos e almas, retalhados pedaços de um ser qualquer... Qualquer que fosse a estrada, o cheiro de incenso, misturado com sabonete e saudades, pedia mais... Cantarolando um universo, recostada na parede branca, por onde o vapor quente escorria... Ela transformou-se no próprio vapor... No passeio dos dedos, os olhos fechados podiam sentí-lo: dentes, lábios, vozes... Uma língua estranha, um pedido de socorro, um idioma desconhecido... Um universo... O quarto de iludir que ele colocara em palavras, o abraço com que ela concordara: unificando um sonho... 

Enquanto ela transpunha paredes e temporalidades em um sonhar acordado que era constante, o velho homem permanecia na sala de estar. Ele sentia vontade de lamentar seus erros, mas o arrependimento escondia-se sempre que se precisava dele. Em uma casa distante, um mar de tristeza desaguava da lembrança de um moço magro, de roupas cinzentas... Uma sensação diferente arrombava a janela e, pela primeira vez, em muito tempo, ele se atreveu a ouvir música, respirar fundo, acender um cigarro e deixar que os pulmões sentissem mais e melhor...

"Era hora de afastar as cortinas da alma e deixar a luz entrar..."

3 comentários:

  1. A poesia com que as palavras se derramam em seus textos faz querer entrar neles, viver as cenas, contemplar os rostos, tocar as faces, sentir.

    Parabéns pela escrita e pela sensibilidade.

    Rosa Maria Mendes

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  2. Fico muito grata, Pepe...

    Rosa, só vê sensibilidade nos outros quem a tem dentro de si...

    Obrigada por passarem por aqui e deixarem seus comentários...

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