terça-feira, 28 de junho de 2011

De Pó e de Poesia XVI



Abstrato

Pisou o chão e o chão se desfazia...
Ao pisar do homem...
Ao retinir do sino, ao escoar do tempo...
Galgou o sonho em utopia...
Lutou, bateu, levou, chorou, sofreu...
A areia a escapar como minutos contados no relógio...
O dedo desconcertado a tentar detê-la...
Os olhos mortos do homem vivo...
Sombrios viraram pedra de construção...
O corpo ainda humano reagiu...
O sol abria no horizonte um raio de luz...
A luz apagou a vida de suas cores...
Pele de um homem sem cor...
Sonho de um amor sem vida...
Os laços desfeitos transformam as mãos...
Em cordas frágeis de se arrebentar...
Um homem sem amor, sem dor...
Por entre os ferros contorcidos...
Um inerte pedaço de qualquer coisa... Uma porção de matéria...
Entre as ferragens uma estatística...
Mais uma notícia que mofará no esquecimento de um alguém qualquer.
uma alma que ninguém sabe se existe.
de alguém que depois de morto tornou-se tão bom...
Nas saudades dos tantos "amigos"...
Nos lutos pronunciados...
Nas falas aparentemente emocionadas...
Nas lágrimas de quem chora mais por si mesmo
do que pelo próprio peso inerte do morto e sua ausência.
Na noite breve de um inverno gelado...
O carro avança em velocidade perigosa...
Ele transpõe o muro e leva a vida...
Arremessado ao espaço: o sorriso...
Podada pela essência: a juventude...
Gritam tantos: mas a festa não acabou...
As nuvens confusas que cospem a chuva...
Maldizem os braços que viraram palavras...
Eles não querem entender...
Guardam na caixa geometricamente calculada...
Um mundo inteiro como quem joga cartas...
Como quem assiste o futebol na tarde de domingo...
Escoa a água que a chuva deixou correr...
Escorre o tempo com a areia que a mão não pode segurar...
O carro, o muro, a vida...
Substantivos tão curtos aparentemente comuns...
Substantivas tristezas no coração progenitor...
Substantiva desconfiança aos não conhecidos...
Substantivas hipóteses na mente dos interesseiros...
Vidros estilhaçados...
Contorcidas ferragens...
O carro, o muro, a vida...
O morto pedaço de matéria que sucumbiu
ao tempo, ao espaço e à sua própria rebeldia...

***
Morrem pais e filhos e amigos e irmãos...
A culpa é da rodovia?
A culpa... De quem é a culpa?
Um conceito tão abstrato que atira às cegas para tantos lados...
A culpa é do homem, a culpa é do falecido...
Terá falhado o carro? Terá sido, então, culpa da estrada?
A culpa desfaz o tempo, remove o espaço e ainda está ali...
Os homens casam, plantam flores, colhem jardins...
Eles quase nem pensam, eles nem percebem o que sentem...
Os homens pensam não ter tempo pra nada...
Mas estão sempre se sentindo culpados...
Quando faltam com a verdade, culpam-se pela mentira...
Quando falam a verdade temem ser rudes...
Os homens e a culpa...
Entrelaçados estrada afora...
Os homens e a culpa e o carro e a ferragem retorcida...
Homens e seus corpos sem vida e a poeira da estrada temida...
Culpa...
Fantasma gritante que no silêncio do descaso ganha força...
A culpa, a distorção, o abstrato entendimento...
O homem...
Pó e estrada, Homem e culpa...
O muro, o carro, a vida...E a saudade travestida em palavras ou em culpas...
Ou simplesmente a passagem de um labirinto ...

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