quinta-feira, 2 de junho de 2011

A Força do Silêncio II


Azuis...

São azuis as paredes da casa... Azul de um tom parecido com aquele a que nossos olhos teimam em enxergar o céu... Como a tinta da caneta que aqui não pude usar...Como os olhos de muitos.. Como o esmalte colorido das unhas adolescentes... São azuis aquelas paredes onde vivem os dois meninos... Na ausência sentida do pai, na presença imposta do padrasto, sob os gritos afoitos e nervosos da mulher... Às vezes, mãe... Às vezes, poço de intolerância... Às vezes, por muitas vezes, uma solitária em meio à uma profusão de pessoas e problemas... Irritada com a poeira que os carros levantam da estrada de chão, transtornada com o tempo que passa depressa demais, preocupada em ganhar dinheiro, impaciente com os meninos... Tão pequenos ainda e dentro daquelas paredes azuis, aparentemente acolhedoras a quem não observa daqui a agonia do cotidiano, vivem ou tentam viver... Os meninos têm um cão, os meninos jogam futebol... Eles sorriem, falam, correm, se cansam e começam tudo de novo... Os meninos amam e esperam aquele a quem a mulher impede a visita... Eles nem sabem que antes de seu progenitor, ela tivera outro marido que em destino trágico a deixou só... Por acidente de transito ou por uma má sorte... Se é que sorte existe... Os meninos apenas suportam os maus dias e sorriem por outros melhores que nem sabem se virão... E a mulher? A mulher é feita de lágrimas, de viuvez, de solidão... É feita de abortos, insatisfações e dos filhos( fruto de sua persistência em ser mãe)... A mulher mal tem tempo para almoçar, mas não reclama da sorte porque a faz... Ela já esteve triste, perdida, confusa e deprimida... Já reclamou de um deus que julga existir, todavia, agora, entende a sua vida como um quebra-cabeças a ser montado... A mulher e os dois meninos vivem na casa de paredes azuis, mas não têm uma vida celestial, não pintam suas unhas, não tem olhos azuis, não escrevem seus dias à caneta... Eles apenas tentam vivê-los... Também já vivi entre paredes azuis e também... Já fui menina... E me pergunto, às vezes: " Será culpa das paredes azuis a solidão? Ou da infância a tristeza?"... O azul que me cercava tinha assoalho barulhento, paredes com frestas e janelas sem vidro... Fazia frio dentro daquela casa como hoje faz frio dentro de mim... Mas não posso culpar as paredes azuis e nem o frio... Não posso culpar as frestas, nem os estalos e nem a ausência de vidros... A tinta envelhecida das paredes dava conta de que também eram arcaicos, limitados e pequenos os meus pensamentos... Mas, as paredes azuis, descascadas, e envelhecidas viraram combustível para um fogão a lenha qualquer em dias de inverno... E os meus pensamentos? O que foi feito deles e de mim? Dentro daquelas paredes, sonhos nasceram e morreram ou nunca, nem ao menos, existiram... Mas em que paredes me envolvo e me protejo agora? Se é que o faço... A mulher chega em casa... Fim de uma de suas jornadas de trabalho... A mulher em sua independência "conquistada" precisa ser três para poder ser completa... As vozes dos dois meninos dentro daquelas paredes azuis confundem-se ao cansaço da mulher e às minhas perguntas... O sol que se esconde nesse fim de tarde dá às paredes azuis daquela casa onde moram os meninos uma atmosfera cinza, quase sem cor, quase sem azul... Apenas uma lâmpada acesa na varanda ainda dá conta de que, em algum lugar, dentro da casa de paredes azuis, ainda estão a mulher e os dois meninos... Que têm um cão, uma varanda, palavras e sonhos e que os vivem apesar de suas paredes azuis...

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