Havia uma estrela...
No canto do mundo... No berço da noite... Na esquina de chuvas intensas, eu encontrei um mundo perdido... Para além das nuvens e para além dos sons.... Da estrada de chão, de qualquer lugar, em um lugar qualquer... A solidão reprimida dobrou a esquina disfarçada de moleque... A solidão tímida que não sabia olhar nos olhos... A solidão era um observador... Na esquina que agora nada mais retrata, o moleque e sua solidão armaram o seu negócio... Sobre os cavaletes do mundo esticaram sua esteira de esperanças e espalharam os seus doces fabricados de sonhos e alegrias retorcidas e palavras modestas e sorrisos dissimulados pelo abismo que se formava... Do céu nublado onde nenhuma nuvem se derretia para deixar entreabrir o sol de outros firmamentos, a cadente possibilidade de lá existir uma estrela errante nunca enxergada... Nada havia além do cinza inconformado das nuvens na tarde da cidade solidão.. O riso no rosto do palhaço era apenas a convenção a que o obrigava o ofício... Havia uma estrela e nenhuma certeza de que ela realmente existisse... Havia uma menina que procurava pela estrela mesmo sem enxergar claramente a sua existência ou a possibilidade qualquer de um remoto sinal de um brilho de estrela, daquele dos céus de brigadeiro das propagandas de sabão em pó e margarina... A estrela estava lá por uma certeza que o peito da criança tinha mesmo sem saber com que propósito ou com que amor se formara... Deixou que a onda a acertasse muito mais que em fatídicos versos legionários... O mês que a estrela contava para aproximar-se do moleque da banca de doces, era uma contagem regressiva para dissipar o medo de andar de pé novamente... O medo era feito de pó, mas a onda levou com o mar toda a poeira e assentou o que sobrou nas areias que o circulavam... A mão estendida da menina sonhadora era um convite à estrela que se escondia para além do alcance de suas amantes... A estrela estava estática, mas tinha direção... A estrela não era presa pela posse da menina porque a liberdade que ela lhe oferecia já transformava a cadente estrela rebelde em prisioneira... Quis o ser iluminado estar entre os dedos delicados da pequenina criatura que de mãos estendidas contemplava o vazio como quem vê a mais bela de todas as paisagens... A chuva se foi, as esquinas deixaram de ser paisagens, as amantes vencidas pelo cansaço passaram a ser observadoras... Na banca de doces o menino cresceu... A mão pequenina permaneceu estendida até que o doce ocupasse o espaço que a estrela supostamente existente nunca ocupou... O doce era feito de sonhos, assim também o coração da menina que esperava uma estrela... Mas não sabia ela que, arteira que só, a pequenina estrela que lá estivera escondida por todo aquele tempo, apenas testava a sua crença e o seu amor para lhe dar em troca da esperança do sentimento dedicado um mundo de sonhos de que se alimentar e porque seguir em frente... Na poesia da estrela, ninguém sabe quão otimista foram suas intenções... Ninguém sabe de que se fez a solidão de tantos... Mas muitos podem perceber que a cidade e seus fantasmas ainda estão lá transmutados em solidão ambulante vendendo sonhos ou tentando comprá-los, esperando poucas estrelas, tendo pouca força para isso...
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A cidade solidão hoje é um vislumbre, amanhã uma estrela, depois, talvez, o próprio e doce ato de sonhar... É a porta que faz amores cadentes parecerem menos eficientes quando nos prostramos a pedir as tantas barbaridades a que já nos acostumamos... A cidade solidão é hoje o porto que abriga a minha estrela... Aquela a qual eu estendo a mão e convido a entrar por minha porta, por minhas janelas lilases, pela paz de uma ilha mágica... Em minha vida... A cidade solidão guarda neste momento a minha estrela e também uma parte de mim que se perde com ela todos os dias...
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