terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Força do Silêncio XIX

 

Os Verdadeiros Heróis

Eu sou daquela época 'bonita' em que a criança chegava na escola e aprendia a decorar datas e heróis. Sou daquele tempo 'bonito' em que a decoreba era método de ensino. Sou daquela época em que as pessoas sabiam o porquê de um feriado existir. Não que o professor, o pai, a televisão ensinassem o que é República... Não, claro que não... Seria pedir demais... Não é mesmo? Mas, não é este o motivo desta textualização. É tudo tão confortável e tão despreocupante em fevereiros e feriados, que o mundo esquece de lembrar do que realmente precisa ser lembrado. Tantos homens e mulheres construíram a História e ocupam seus bastidores, que até chega a ser omissão não citá-los. Não citar o pedreiro que construiu o prédio que abrigou o Presidente... Não citar o soldado que perdeu a vida e deixou órfãos seus filhos em nome de um ideal... Não citar as mulheres que foram deixadas em prol da libertação de um país ou da defesa de uma ideologia... Não é justo... Não é justo não citar aqueles que construiram a capital e foram colocados à margem dela... Não é justo não citar os que carregaram pedra nas costas, literalmente, para que as grandes pirâmides se tornassem símbolos de uma civilização... Não é justo não citar as costureiras que compuseram os uniformes dos soldados, os vestidos das princesas, as bandeiras de uma nação... Os verdadeiros tijolos que construíram a humanidade não são feitos de Deodoros da Fonseca... Não nos enganemos... Não nos enganemos aceitando os heróis criados e esquecendo os reais executores da História... Não nos prendamos a datas... Não nos prendamos a nomes... Atenhamos nossas atenções às atitudes... Atitudes de homens e mulheres que nunca tiveram seus nomes e seus méritos registrados em livros... Atenhamos a nossa atenção aos que fizeram do mundo o que ele é hoje... Imperfeito, por certo, é possível que o percebamos... Mas, o espaço em que desenvolvemos uma vida social é fruto de relações complexas do homem para com o meio. Na base do mundo complexo, na base da vida em profunda e contínua transformação, na base do que você é hoje; estiveram inúmeras pessoas... A necessidade de criar heróis com que a população pudesse identificar seus sonhos criou e propagandeou esta montoeira de nomes e datas que você consome... Não sejamos tolos, caro leitor... Para representar uma massa de executores um único indivíduo levava a fama... Curioso... Parece que isso ainda não mudou, né? Todo mundo vive em torno do propagandeado, mas pouca gente diz "bom dia" para o gari que mantém as ruas limpas e frequentáveis... Todo mundo aperta a mão do dono da casa de shows, mas poucos agradecem ao garçom... Todo mundo cumprimenta o desempenho do estilista e a beleza da modelo, a maioria esquece dos faxineiros, dos que servem cafezinho, dos que atendem na bilheteria... Todo mundo cumprimenta o proprietário pelo requinte da casa construída e o engenheiro pelo belo desenho da obra, poucos apertam a mão calejada do pedreiro e o parabenizam pela competência da execução... 'Triste fim de Policarpo Quaresma'... O mundo é assim... Cadê o herói que estava aqui? Disfarçado de Tiradentes, vestido de Presidente. tirando sarro com o dinheiro público? Cadê o herói que estava aqui? Matando indígenas e transformando-se em estátua de praça pública? Cadê o herói que virou miniatura vendida em cidade turística pelos filhos de quem realmente construiu a História e vive à margem dela? Se não for pedir demais da próxima vez que você encontrar aquele monumento famoso enfeitando a sua cidade e estampando as páginas do livro de História do seu filho, pare pra questionar o que há de verdade por trás destas imagens e o que é uma criação do homem para corromper o meio... Verdades distorcidas dobram as esquinas todos os dias, disfarçadas de vida, disfarçadas de História, disfarçadas de herói... Verdades distorcidas são repetidas tantas e tantas vezes que você chega a reafirmá-las... Datas marcadas, cartas marcadas, números cartesianos ou não tomando a sua vida, determinando seus espaços, suas folgas, suas crenças, seus questionamentos... Quem é você ou o que é você? Quais são os grilhões que te forjam? Se República é coisa pública, por que são sempre os mesmos gatos pingados que dela se beneficiam? Se o feriado é pra ser comemorado cadê a explicitação do que deveria ser uma República? Quando foi que tivemos uma República que saisse do conceito e da zona de conforto e fosse realmente uma palavra traduzida e vivida enquanto sistema? Abra os olhos... A venda negra já não combina com as cores patrióticas da bandeira de brasões portugueses que você ostenta em ano de Copa do Mundo com tanto orgulho. O mundo é uma caixinha de surpresas, onde as mãos que fazem o milagre não são as que recebem o louro do reconhecimento. Façamos o que por nós seja possível... Façamos mais do que aceitar... Mais do que cruzar os braços... Questionemos, pensemos... Habitemos um espaço que reconheça o papel determinante de cada ser dentro de uma sociedade, dentro de um sistema, dentro de uma História...



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2 comentários:

  1. Sintonia é algo engraçado, né?!?!?! hehehe

    Guria, acho que teu "desabafo" é MUITO Pertinente em uma sociedade que acredita muito em qualquer informação dada, sem analisar bem o contexto do fato e sem criticar a origem da informação. Aliás, pensamento crítico é o que falta nessa sociedade. Avaliar!!! Pessoas não sabem mais fazer isso e nem os pais, nem a escola, está cumprindo a função de ensinar as nossas crianças a interpretar os dados. Sem isso, nossa sociedade não andará mais como uma Democracia. Compras de votos e decisões tomadas por uma só pessoa serão frequentes!

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