segunda-feira, 30 de maio de 2011

Prosas que o Mundo dá XVII


Sábado...

Quisera outro dia como esse... Quisera em dias como hoje a impetuosidade antes extinta... Vejo-o ausentar-se e retornar... De banho tomado, roupas trocadas, mas com o mesmo olhar... Ele está lá... Nas extremidades da minha visão periférica... Com seu copo e seu, às vezes, aparente desconforto... Seu olhar, mais uma vez, parece enxergar além do que pretendo deixar visível... Ele se levanta, caminha, conversa... De alguma forma que não consigo esmiuçar em palavras, parece ansioso... Em seu copo já não se encontram cubos de gelo, nem se encontra alguma doce substância qualquer, já não há mistura... O líquido incolor adentra por seus lábios levado pelo copo que suas mãos quentes seguram...  E, por um momento, não sei se invejo mais o copo ou a bebida que dele se despede... Ele levanta e com o copo nas mãos retorna, mas dessa vez, está a minha frente... Ouso observá-lo por mais de um segundo, por mais de uma vez... Ele me olha, todavia não deve ter a mínima ideia do que se passa em minha mente enquanto o observo... Talvez, nem mesmo perceba que o meu olhar insiste no dele, insiste nele, quer enxergar além... Na tolice em que mergulho percebo que nem tudo vem com manual de instruções... A vida é, então o desconcerto das situações e a adequação a elas... E, então, eu me desconcerto ao observá-lo... No palco improvisado ele sobe... E posso agora observá-lo sem restrições, entretanto, ele ainda me parece um tanto quanto desconcertado... Como quem ainda não está seguro do que faz... Passam-se as músicas e o momento em que sou livre para observá-lo... Agora outros ocupam o espaço, antes seu... Some por instantes e quando passa novamente à minha frente não posso deixar de falar qualquer tolice que lhe chame a atenção... Não sei onde pôr as mãos e não sei as palavras certas... Ele se vai e quando volta está à minha frente, dessa vez, sem nenhuma barreira, humana ou estática entre nós... Nossos pés muito próximos poderiam tocar-se sem que nos apercebêssemos... Mas eu percebo, porque a proximidade me faz tocá-lo... Pergunto da música que não tocou... É difícil ouvirmos um ao outro... Sento-me ao seu lado... Não sei se a melhor ou a pior das ideias... Mesmo sem tocá-lo sinto o calor emanado de seu corpo, o cheiro, o hálito... Alguns minutos suficientes para reparar uma vez mais... Em seus olhos, suas feições, na imprecisão das palavras, na utopia que se desenrola nelas, nas unhas roídas, nos cabelos... Minutos suficientes para amá-lo, para odiá-lo ou para nem percebê-lo, todavia eu o percebo... O calor de suas mãos tocando de leve meu joelho por um instante quase imperceptível... Ausenta-se e quando retorna à minha frente bebe algo mais forte... Sorri das piadas alheias, mas há algo além dos sorrisos, escondido no olhar... O amigo de infância se vai e ele respira a atitude que o outro titubeava em tomar... Ainda é o mesmo menino de all star branco das outras vezes...Ainda permanece inflexível em meio à profusão de vozes e sons... Ainda é aquele cujos cílios emolduram um mundo particular, íntimo, escondido em algum lugar de si mesmo... Ele ainda é o mesmo que traduziu em palavras tudo o que sinto sem nem se aperceber disso... Ele pode ser ainda alguém com quem conversei muito, alguém que vi crescer... Mas já não consigo vê-lo menino... Porque algo nele mudou... Ou em mim... O sorriso, o olhar e as palavras daquele mesmo menino... Daquele "cara estranho" por quem me apaixono todos dias... Fazem com que eu não diga... Fazem com que eu me cale... Fazem faltar-me a coragem, a segurança... Esquecer quem sou e admitir a confusão dos meus sentidos, sensações, sentimentos... Todos foram embora... Somos três agora... O outrora rebelde que se envaidece de seus filhos, o menino que sente frio e teme a dor que virá por consequência dele e eu... Queria eternizar o momento em que ele se deita e posso observá-lo sem reservas, porque ele não me flagrará... Por um instante desejo deitá-lo em meu colo... Vai-se o rebelde de outrora, ficamos nós... As luzes são apagadas... Caminhamos estrada afora pela madrugada fria... Falamos sobre o frio e o medo da morte... Chegamos ao momento da despedida... O abraço é quente e acolhedor e por um instante inspira-me palavras que, talvez, jamais tenha coragem de proferir... Quisera permanecer nele por mais tempo... Eu me calo... Por medo de falar demais... Por medo de nem saber o que falar... Agora caminho só... A madrugada é gelada e a vontade de retornar à casa de meus pais inexistente... Adentro ao portão, à porta, ao quarto.. Na tentativa de adormecer... Penso no menino que quero meu... Que já não é menino e que talvez... Eu permaneça a querer meu por uma vida ou apenas por um instante... Sem entender o porquê e o alcance desse querer... Querendo entender como alcançá-lo e como enxergar aquilo que ele esconde mesmo sem ter consciência...

2 comentários:

  1. Minha querida amiga, lindo seu blog, percebo que continuas com a mesma essência!!!
    Minha vida se encanta pela sua!

    Saudades...

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  2. Minha querida... Nada que se compare à sua visão do todo... Quisera eu... Tê-la... Suas saudades também são minhas... Mas há certas coisas que quilômetros, anos e a profusão de acontecimentos não apaga...

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