terça-feira, 27 de setembro de 2011

Amor em pares: Sobre Laura e Arthur XIII


É Hora de Despertar

A manhã trouxe a leveza do canto dos pássaros, a luz suave dos primeiros raios de sol e o farfalhar suave das folhas verdes, da rara vegetação que embalava-se ao tempo e ao vento... Concordâncias, discrepâncias, distâncias... A maré de palavras que se despejavam, no jornal que atravessara a fresta no instante matinal do despertar... As primeiras buzinas, os primeiros motores, os rádios chiados da vizinhança... Havia um cheiro de lar, no odor do café que se espalhava... Ruídos na cozinha denunciavam a presença de alguém. Os passos eram leves e denunciavam a feminilidade. A casa com cheiro de lar, como há muito tempo Arthur não sentia. Por quanto tempo aquele coração retalhado, partido, acanhado, esperara por um dia assim? Pé ante pé, o corpo magro, revestido do pijama cinzento, aproximou-se da porta que levava ao corredor... Os pés quentes tocaram o chão frio, a alma se abriu, o peito comprimiu o louco aprisionado naquele espaço... O arrepio percorreu a distância que o abraço não alcançava, os músculos enrigeceram, os ouvidos se abriram... Não era tão cedo quanto parecia, nem tão tarde quanto Arthur pensava ser... Pela porta entreaberta, ele viu a figura minúscula, movendo-se rapidamente de um lado para outro... Laura parecia outra pessoa... Os cabelos mal presos em um rabo de cavalo desgrenhado, as roupas largas, os pés confortavelmente envolvidos por meias... Estava tão leve que parecia os anjos das tantas obras de arte que Arthur admirava... Flutuava pelo assoalho, os tapetes, o fogão, o café, o tempo, a casa, o espaço... E a casa nem parecia ser a casa, e a dor nem ser a dor, e o ar nem ser o ar... Arthur tinha sentimentos transbordando pelos olhos, enquanto dava os cinco passos mais longos e mais demorados da sua existência... A mão que tocou o ombro descoberto estava fria. O coração que se apaixonou pelo anjo pequeno, queimava no gélido deserto, em que se perdera muito antes. Laura virou do preparo do café ao homem que lhe tocava com urgência. Ela tinha sorriso nos lábios, brilho nos olhos... As faces estavam rosadas e a mão quente que tocou o rosto magro, umedecida. Os olhos se encontraram e se amaram pela primeira vez... O abraço em que se acolheram, durou mais que o universo de um instante... "Pensei que pudesse fazê-lo sentir-se melhor" - disse ela. "Estou muito melhor agora" - respondeu Arthur. Ela o guiou pela mão até a mesa, como uma mãe que atravessa a rua com sua criança. Serviu o universo em que Arthur se encontraria, em uma xícara de café quente e amargo... É... Nós sabemos que não dá pra beber o universo numa xícara de café, mas Arthur sentia o seu mundo ser refeito naquela mesa posta, em que não haviam mais duas cadeiras vazias a sua frente. 

De sobressalto a janela batida despertou o sono e o sonho... Tudo que era lar nunca passara de quimera no mundo de Arthur... Apenas um instante, entre o sonho leve e o despertar, o deteve... Apenas um instante e o cheiro de café tocou-lhe a alma. Talvez... Nem tudo fosse apenas um sonho, afinal...

"Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta". (Carl Jung)

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