sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Partes de Mim XXXIII

 

O Sonho, as Fronteiras, o Abismo

Eu não sonho mais que estou caindo eternamente e nem sonho que o chão me falta. Eu não sonho mais... Tenho pesadelos... Na noite que passou, eu via o mundo estremecendo em convulsões e o ar por que os pulmões ansiavam não estava lá. Suando frio o corpo contorcia-se desesperado... Faltava o ar e o mundo caía. Acordar do lado estranho da cama foi apenas mais um sinal de que, talvez, nada daquilo fosse o que parecia ser. Eu já não dormia em posição fetal, já não atravessava o corpo pequeno e quente que suava frio no leito aparentemente acolhedor... De súbito a total ausência de ar acelerando os batimentos... Desespero, um instante sufocante, a total ausência do elementar... O despertar parecia a salvação, Mas a tela mágica, em cores quentes, piscava siglas, letras e números tão meus... Na falta de ar do pesadelo recente, olhar embaçado e coração ansioso... Os pés enrolados ao cobertor avançaram o espaço que separa o travesseiro da tela. Os cliques insistentes não abriram a cor quente da janela, na sigla esperada que piscava... Ausência de luz, queda de energia... Não sei o que foi... Como dizia o canto do poeta maldito "toda vez que falta luz, o invisível nos salta aos olhos". Ouvi um sussurro ao ouvido com voz familiar: "Tchau, amor"... E eu quis gritar não vá... Quis responder... Quis tocar a face do que não era tangível... Escuridão... Um medo projetado... Levantei! Quis fugir... Mas, ela estava à minha frente com um ar de superioridade, um sorriso venenoso nos lábios... O olhar de ódio pulsando... Eu senti piedade, pena, dó, ou sei lá... Talvez eu nem saiba mais o que senti e o que sentir... E ela ali derramando raios pelo olhar, arremessando farpas para todos os lados, pintando um alvo em minha testa... E ela ali... Tão longe de sentir o que é dor e pensando sentir alguma... Tão longe de saber o que é amor, se é que um dia saberia... Se é que alguém o sabe... Se é que é preciso saber... Tão longe... Um discurso bonito, uma escrita envolvente e muitas práticas tortas... E ela ali, fingindo o anonimato e perdendo os argumentos... Arremessando pedras, aos poucos, para que eu construa o meu castelo... Ou talvez, nem fossem pedras o que ela arremessava e nem fosse castelo o que eu construía... E ela, ali, falando dos meus defeitos, mas dando audiência para eles... E ela, ali, condenando, xingando, agredindo, iludindo a sua imaginação... Eu me apiedo da menina... Ela não percebe que é exatamente como eu fui... Escrevendo para conquistar a utopia, quando deveria fazê-lo para libertar... Proferindo agressões ao mundo, mas, sem olhar para dentro das próprias janelas... "Somos estrelas iguais que brilham em temporalidades diferentes... Não julgue, não ofenda, não exclua, não tente atingir aquela que, um dia, será você..." Na cena seguinte, as mãos dela no meu pescoço e o ar fugindo... Fugindo, acabando... Um passo apressado em direção à fuga... Á frente avista-se um precipício, vejo a voz que agora tem corpo arremessar-se do mais alto, sem medo de cair... Vejo-o fugir... Um passo à frente e constato que a queda livre também é minha... Pulmão em desespero, coração implorando pulso, nada mais se vê... Queda livre... Não há mais nada além da ausência do chão e da sensação de inutilidade... O corpo inerte em queda livre, a alma inerte em suicídio planejado... 

Acordo do sonho dentro do sonho... Ainda estou do lado errado da cama... A tela não pisca... Corpo quente suando frio... Eu mudo de lado pra tentar dormir melhor... Viro o travesseiro para trocar de sonho... Este lado da cama lembra outro espaço que ocupamos juntos... Siglas, números, a porta que se fecha e se abre...




"E você tem
existido para sempre, e vai existir para sempre, e todas as pancadas do teu pé
cansado nas portas inocentes do armário foram apenas o Vazio fingindo ser
um homem que fingia não conhecer o Vazio". 
( Jack Kerouac in Desolation Angels)

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