sábado, 15 de outubro de 2011

Três Pontos Negros I


Cadê o Horizonte?

Esta sou eu caminhando pelas ruas de uma grande cidade, se comparada a minha e, pequena cidade, se comparada a sua. Esta sou eu que não consigo me perder nestas tantas ruas pra ver se encontro o que já se perdeu de mim há muito tempo. Esta sou eu consumindo três livros por semana e brincando de fugir, por medo de ficar, como sempre teimei em escrever. Esta sou eu inventando de inventar qualquer coisa que me faça acreditar que vale a pena. Esta sou eu olhando o espelho a minha frente e já não reconhecendo o meu rosto, não encontrando os lápis negros a contornar os olhos... Sou eu sem unhas negras e sem brilho no olhar... Sou eu tentando lembrar de coisas que eu já nem sei se existiram ou não. Esta sou eu e nem sei quem sou. Parece que o resto do que me fazia ter certeza de algo escorreu como areia na ampulheta, sinalizando que o tempo fica progressivamente mais curto. Bem dizia o filósofo que somos o que não somos. E o que somos? Eu não sei mais. Sinto-me como uma folha seca, vai vento, vem vento e ela transita, inerte, sem rumo... Eu me sinto como uma pedra, um bêbado caído na porta de qualquer bar a que todos ainda preferem dar mais um chute, como se o sujeito pudesse cair ainda mais, como se a sua condição lhe colocasse abaixo do próprio chão. Intravenal... Este é o líquido que alimenta a força vital, este é o líquido que me suga a mesma força... Esta sou eu... Tendo a pele perfurada pela agulha e a alma dilacerada por saudades e dores alheias que não posso confortar... Sou eu que não durmo ou que tenho pesadelos que me fazem chorar ou parar de respirar por instantes, às vezes. Paredes brancas e corredores frios perseguem meus olhos e se misturam a dores distantes e a ausências que ferem mais que os espinhos que as presenças possam ter... Este é o remédio do que foi adiado e queima na corrente sanguínea como se fosse o fogo, gelado, ao invés de quente. Sou eu que acordo e durmo ou nem durmo, por muitas vezes. Sou eu que tenho a pele arrepiada sempre que um fio de cabelo cede à Lei da Gravidade. Esta sou eu... Lendo e relendo velhos históricos, nem tão velhos assim... Vendo e revendo e perdendo-me em olhos engessados de fotografias. Sou eu que vejo lado a lado a menina e seu pai, o homem e seu vício, o rosto rubro... Sou eu... Eu que teimo em ouvir as mesmas músicas porque trazem um pouco do que faz o respirar mais leve... Esta sou eu, em febres e calafrios, náuseas , dores, vazios, nem sempre meus, nem sempre maus... Esta sou eu que cala para não ferir quem me fere... Isto sou eu agora: um monte de dor, misturado com miséria humana, misturado com palavras e mais palavras que se empilham, se espalham e se misturam em minha mente a cada autor concluido e a cada livro depositado nas estantes. Ferindo o papel com a esferográfica preta, por não gostar da aparência da tinta azul no papel... Sou eu que me apego cada vez mais a papéis... Que deixo jorrar palavras sem receios, que tenho receio de um dia não tê-las. Esta ainda sou eu nas ruas... Ainda são meus os olhos que tentam perder-se em universo estranho para encontrar o que se perdeu com as dezenas de dias, com as dezenas de anos e com o conjunto de dores que não foram anestesiadas... Esta sou eu que abriu portas e pagou preços altos demais, só pra não perder o costume... Esta já não sou eu... Isto já não sou eu... Sou apenas uma casca de um interior que não encontra nas ruas em que tenta se perder um motivo... Para que um motivo? Porque somos o que não somos. Caminhamos rumo a um horizonte... Mas, cadê o horizonte? Cadê o meu horizonte? O fogo gélido do líquido intravenal e a dor da poção mágica propagando-se dentro em mim não doem tão mais do que a ausência dos espinhos...

 

"... eu ia como sempre sair caminhando sem saber aonde ir, sem saber onde parar, onde pôr as mãos, os olhos e ia me dar aquela coisa escura no coração e eu ia chorar, chorar durante muito tempo sem ninguém ver".
(Caio Fernando Abreu) 

Escrito por Darla Medeiros.
Postado por Jaquelini H. Medeiros.  

2 comentários:

  1. Não sei o que está havendo contigo, guria, mas ultimamente os textos estão cada vez mais fortes... Estou gostando disso... Parabéns... Rafa-POA

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  2. Voltas que o mundo dá... Talvez eu esteja sentindo mais, talvez libertando o sentir e, talvez, seja totalmente o contrário... Muito grata pela gentileza das palavras.

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