domingo, 23 de outubro de 2011

Três Pontos Negros IX

 

Anjos Cativos

Lembranças antigas são pratos cheios para analogias... Às vezes elas podem ser poéticas e em outras não passam de lembranças. Fatos que naquele momento nada significavam e que, depois, passaram a fazer todo o sentido. Parece que foi ontém e, na verdade, até pode ter sido. O dia em que o vi chegando ao meu espaço. Parecia tão livre, parecia tão preso,parecia tão senhor de si, parecia andar a esmo... Nunca usou sapatos pela convenção dos tênis. O anjo negro do amor perfeito, escolheu o caminho e o trilhou para perder-se em mim ou para fazer com que eu me perdesse nele, em seus caminhos, palavras, ausências, nem sei... Lembro com uma impressionante riqueza de detalhes, a figura felina limitada pelas grades... Olhos opacos e oblíquos caídos no rosto cansado. O leão agora não parecia mais com o animal selvagem que deveria deixar um rastro predador pela savana. Ao redor os humanos abutres em busca do melhor ângulo para a fotografia e eu me dando conta que não reajo bem, nem a observar prisões, nem a observar grades. Não sei que grades são essas... Só sei do que pode libertar, mas alguma grade também cerca meus medos, reduz meus espaços, faz correr líquidos gelados e dolorosos pelas veias dos braços e tomar o corpo em uma estranha ação que machuca, que agride, que me faz silêncio, mesmo sem me fazer ausência. Que queres de mim? Que queres que eu diga? Odeio prisões. Prefiro poesias, músicas e milagres que fazem sorrir... Prefiro liberdades e poesias e saudades e dias para acalentar uma presença que chegue, mesmo que devagar. Que queres de mim? Que eu seja cativa por opção? Que eu cale porque não suportas minhas palavras? Que queres de mim? Que eu renda as minhas vontades e venda as minhas opiniões? Gosto do que gosto, amo o que amo e não é qualquer palavra que fará isto mais intenso e não é calando que tudo isso se calará. Lembro do leão enjaulado em meio a um cenário bonito que não se parece com um lar que, talvez, ele tenha tido outrora... Lembro do leão e penso em tantos homens que a ele se parecem. Adornando espaços para que se pareçam lares. Disfarçando suas próprias vidas para que se pareçam melhores, mais felizes, mais perfeitas. Eu?!?! Tenho apenas dores intravenais, muitos livros, alguns silêncios e a mágoa por interferirem até no meu silêncio. Eu calo porque nada do que vier como discurso reconhecerá quem sou. Eu sou leão cativo, sem ser leão... Sou quem cala demais... Perde-se em palavras e começa tudo de novo... Sou eu que caminha pelo litoral cimentado tentando reencontrar uma parte perdida de quem me faz bem. A tarde faz calor, o sol agride a pele, quase estou em paz... Quase tenho a sua imagem... Quase deixo de ter pesadelos... Um passo para o abismo e o outro para o alívio... Não é uma escolha, é uma preocupação... Vontade de libertar todas as grades que nos cercam... Sejamos pares ou multidões... Vontade de retirar pesos de pares de ombros infinitos... Entre a vontade e a razão, uma voz que fala em silêncio. E como me apaixono dele, do silêncio. Não sou prisioneira , sou quem dele utiliza como uma forma diferente de discurso. Cativos são tantos que até não me surpreendo mais. Gente que fica só em meio à multidão. Gente que sente dor e nem sabe porquê... Inércia? Não é isso... Não é nada disso... Eu sinto muita vontade de agir, mas a direção de o fazer é que me prende... O lugar comum em que sempre estive. É ele... Ele que me faz acreditar que a ousadia não liberta ninguém. É ele que me faz pensar nas consequências de meus atos. Somos todos cativos como o triste felino que aprisionamos... Rei de tudo, prisioneiro de nada... Pedindo socorro sem saber o que o ameaça. É ele o que faz acreditar que um tudo pode ser o nada bem disfarçado brincando de parecer com alguma coisa.



"Todo jardim começa com uma história de amor, antes que qualquer árvore seja plantadaou um lago construído é preciso que eles tenham nascido dentro da alma.
Quem não planta jardim por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles".
(Rubem Alves)

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