quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Três Pontos Negros VI

 

Um Pequeno Grande Homem

Fiquei pensando o dia inteiro no menino que perdia-se na infância e que escondia-se nela... Pensando o dia inteiro no mundo de faz de conta das Histórias em Quadrinhos desse menino... Um menino já homem... Um grande homem desconcertado fingindo ter todo o humor, fingindo dominar a situação, sentado no táxi a meu lado...Sorrindo muito e olhando, olhando, olhando... Um olhar quase desconcertante... Enxergando além... Além dos meus olhos, além do meu olhar, além de mim, para o mar azul que se projeta para o lado de fora do carro em movimento. Penso agora na menina, moça, quase mulher... Uma doce paisagem, uma triste paisagem, uma sufocante paisagem... E eu só quero que ela esteja bem, que ela fique bem, que ela respire melhor, que ela sinta o ar entrar e sair dos pulmões... A menina, às vezes, sou eu... É como se eu me olhasse no espelho e para além do que é aparente. Amigos, amigos... De que falhas se fez o homem, de que amores se fez a saudade, de que distâncias se fez ausência? Tudo em tudo - diz o sábio homem distante... Retorne ao lar - diz o mago distante... Eu não sei mais nada e não lembro de mais nada - diz uma figura paterna distante. Como tantas faces podem compôr um único ser, eu não sei... também não preciso entender... Não quero entender de que faces se fez o sentimento, de que forças ele ainda sobrevive, de que rocha se fez a estrada em que a despedida passou pelo portão de embarque. Foram duas horas de sono na noite passada, esforçando-me para não dormir, entre projetos teóricos e práticas infelizes... Esforçando-me para não ter pesadelos... Em todos eles você em queda livre e eu caindo sem perceber, esticando os braços pra te salvar, mas as mãos em braços curtos não alcançam a sua distância. Meu nome ressoando em dezenas de bocas em um dia atribulado. Assentindo com a cabeça eu vou mecanicemente preenchendo as lacunas que solicitam... Mecanimente enquanto lembro que o violão antigamente tinha outra função, despertava outro sentimento... Aos rítmos que as crianças precisam aprender eu danço dando o exemplo, mas que exemplo é esse de quem não sabe transformar quedas em passo de dança? Queda livre... Expandir as grades e voar... Voar pra onde... Voar por quê? Na construção de uma parede, de um muro, de uma cerca de proteção... É preciso escolher os tijolos que disporemos na base, para que não sejam frágeis a ponto de se quebrar e fazer toda a parede desmoronar... Todavia, eu nunca entendi nada de construção e fui edificando a minha leveza e a minha ternura, que sempre estiveram escondidas, sobre bases frágeis demais.  Essas bases não suportaram o peso das paredes porque já tinham outras paredes para as quais serem base... Sabe por que eu não fujo, mesmo sentindo vontade? Porque eu sei que sabes que há força na sensibilidade do que vejo... Eu sei que sabes... Sei que sabes até do que finges não saber... Porque eu sei que sabes, sei que te contei, sei que me perguntaste, sei que te respondi muitas coisas que eu não pude dizer a ninguém, quase sempre nem a mim mesma. Amanhã eu volto às paredes brancas e ao líquido gelado que agride as minhas veias... Posso me sentir triste, sozinha e com raiva nesses momentos... Mas, mesmo com tudo isso ainda lembro, penso, reflito e sei que isso não foi tudo, que é uma parte, uma etapa do crescimento que eu preciso ter, uma evolução que a alma precisa alcançar... E então, os passos de dança me vêm a mente sem pressa, sem esforço, sem obrigação... Eles fluem... Fluem como as palavras ao vento que, por vezes, transformam-se em gritos silenciosos que ferem o papel com tinta e universos transbordados em gotas salgadas... Sentei-me nos banquinhos de madeira daquele contraste entre cimento e mar... Olhei para a água e para as pedras que o homem colocou ali, olhei para as formigas que atraiam-se pela madeira, para as crianças e para os pares de pessoas caminhando em dia de vento e sol do meio-dia... Sentei ali e pensei em você caminhando ao meu lado, pensei nas palavras que dizíamos e nos nossos tropeções... No período de adaptação que apenas começou... A certeza de que nada tem a mesma cor é óbvia, mas as novas cores, as outras possibilidades precisam ter o meu olhar adequado a elas... Sem pressa, sem grades, sem pressões... Tudo a seu tempo e o tempo fala mais que as palavras, o tempo cala mais do que os lábios em almofadas, o tempo ensina e fará cada um de nós melhor e do processo de adaptação uma continuidade. 


 
"My fault, my failure, is not in the passions I have, but in my lack of control of them".
(Jack Kerouac)

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