quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Três Pontos Negros XIII


Nova-Mente

Se todos lembrassem que cada ausência deixa consigo um espaço a ocupar, um desejo a ocultar, uma saudade a reverter, um amor a amortizar... Se todos lembrassem de cuidar das plantas para que elas não morressem secas, ninguém correria o risco de se reapaixonar, se é que este termo existe... E se ele não existia, que lamentável para mim ou para a língua portuguesa... Eu reapaixono meus olhares de outros olhares... São sensações que duram um minuto, impressões que poderiam durar uma vida... As pessoas passam por você, cruzam olhares e passam pela sua vida, sem ao menos saber seu nome, sem que ao menos você saiba o nome delas... Ele sentado ali, no chão cimentado... Ainda lembro da primeira vez em que parei para observar o corpo magro a perder-se nos próprios olhos... Deslocado em meio ao tumulto de profusas sensações, ruídos, palavras, aceleradas criaturas que vão e vem... Embriagam seus mundos e sonhos... Estamos em outra paisagem em que ele calça branco... Estamos em outra paisagem apinhada de pessoas com música oitentista e um calor interno que nada tem de interno, que são só pessoas empilhadas... Estamos apavorados em meio aos corpos que se comprimem e o álcool aquece as mentes, facilita os sorrisos... Chove lá fora, falta estacionamento, a gente conta piadas, troca ideias, rima poemas... Caminha desajeitado no meio da multidão, escuta histórias que não quer, olha nos olhos sem se ver, a gente brinca de aquecer... Brinca de buscar uma perfeição que não existe... E, então, a gente quer apostar qual será a última música e fica desajeitado na despedida... Eu tinha vontade de abraçar teus medos e levar teus pesadelos para terras distantes onde tudo cheira a terra molhada, clorofila de folhas rasgadas... Eu tinha muitas vontades de você que escorriam matreiras, sem deixar tempo pra qualquer correção... E, então refrão virou letra inteira e alma prisioneira esqueceu de te cantar... Corro contra o tempo, porque a viagem é longa e janeiro não tarda... Corro contra o tempo, porque de 5, 6,7,13 e tantas outras numéricas combinações de calendário, ainda são partes do mesmo 708... Corro contra o tempo por mim e por desgastes dolorosos de natureza líquida e intravenal... Corro contra o tempo pelo solitário reflexo de mim e pelas conversas densas que sempre levamos às quartas-feiras, mesmo quando elas começam em histórias em quadrinhos e terminan em shows que nós nunca assistiremos...Corro contra o tempo porque me falta coragem para assentir a sua fuga... Volte o tempo que não volta mais e as palavras infelizes que pronunciamos sem querer... Volte a criança a sorrir seus olhos verdes e não a chorar como na tarde que passou... Volte o tempo em que o espelho me agradava e eu não via a figura paterna esmorecendo dia-a-dia, porque nunca poderei recuperar tudo aquilo que não pude ter dele e tudo que não pôde ter de mim... Entrego-me em sonhos nos quais nem pai e nem moço de tênis branco e pânico de multidão estão... Entrego-me a sonolência repetida que a tentativa da fuga me faz sentir em efeitos colaterais do que eu queria evitar... É noite e não faz silêncio, porque ele não está bem e as veias ardem, os sonhos caem como gota de chuva que, fugitiva, transforma a lua em pequeno vulto amorfo...


"Ao futuro, palavras...
Meu corpo e remorsos ou coisas de secundária importância".

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