terça-feira, 8 de novembro de 2011

Amor em Pares: Sobre Laura e Arthur XIX



Quase Nada...

Um imenso quadro negro nas manhãs que se anunciavam... Este era Arthur na espera infinda do retorno de Laura... Um ponto de interrogação em letras vermelhas e garrafais... Este era o sonho que ele tinha todas as noites... A janela da eterna espera agora abria-se para uma espera nova, com cheiro de tinta fresca, roupas negras, cantigas desencontradas, horas arrastadas, ombros amigos oferecidos, alguns dias de café da manhã e outros de frios olhares distantes e rosto contorcido de dor. Fazia mais de mês que ela não aparecia... Ao invés de pensar no montante que confiara a ela no dia em que fecharam negócio e no que estaria perdendo financeiramente se ela não terminasse o trabalho, ele pensava em flores negras... Ao invés de pensar na parede borrada pelo esboço da reprodução de um retrato que ainda nem começara direito, ele pensava nas músicas, vozes e sons que faziam falta a soar pela casa vazia de assoalho barulhento... E, enfim, ao invés de ele pensar em alimentar o corpo esquálido e magro, em abrir as janelas de cortinas pardas, em sair porta afora afim de respirar... Ao invés de ele pensar em espantar pesadelos e visitar o sono que também já lhe parecia um amigo distante... Ao invés de tudo isso... Ele, Arthur, relia as entrelinhas dos traços esboçados na parede... Levantava-se vez por outra em ato quase automático pensando ter visto o pequeno vulto de vestimentas negras chegar ao portão... Não era amor, nem era saudade, nem tempestade em copo d'água... Arthur, simplesmente, tinha uma vontade humana de ouvir aqueles grunhidos reclamando o requinte torto da cerda do pincel e o destino incerto do traço que tangia a parede... Por muitas horas a fio, ele passara desertos de existência ouvindo atrás da camada fina de tábuas que os separava e rindo sozinho com a moça pequena que falava com duendes ou com ela mesma... Ele sabia que ela sabia que ele a escutava, mas por algum motivo, nem ela se calava, nem ele deixava de agir daquela forma... Não era difícil reconstituir a cena do sonho em que ela estivera a servir-lhe café, não era difícil lembrar que o sonho fora real em algumas manhãs... Mas, era muito difícil... Muito difícil deixar de ser cinza se ela não estava por perto... Não que ele deixasse quando ela estava, mas de alguma forma, Laura parecia aceitar a sua existência cinza, mesmo sem entender, ou talvez, até entendesse, quem saberia? Eles nunca colocariam estas impressões, estes sentimentos, estas lacunas e vazios, organizados em uma única prateleira... Nem ele e nem ela tinham espaço suficiente para tantas lacunas não preenchidas, para tantos vazios enfileirados, para tantas loas de tristeza encenados em livros de poesia... Ele sabia que ela sublinhava os versos de que mais gostava a lápis... Sabia porque já estivera bisbilhotando a Antologia Poética de Cecília Meirelles que ela deixara, talvez de propósito sobre a mesa da cozinha. Quem diria que um dia a improvável distância de dois seres tão próximos faria sentir em Arthur algo além de espera? Quem diria que um dia ele alimentaria quimeras pra não deixar de sentir? Quem diria que o moço que dizia não sentir mais nada, ainda se apegaria a traços esboçados em paredes antigas e moças que vestem roupas negras, reclamam baixinho, cantarolam velhas canções e sublinham livros de poesia? Quem diria que saudade era escrita com tantas palavras, mesmo sendo uma só sensação que abre os braços e forja seus próprios grilhões... Quem diria que nenhuma das canções de outrora embalaria aquela ausência de estação...

Arthur despertava... Findava o outono...

O tempo passava, escorria, findava... Arthur acordava sem ter dormido, sonhava sem fechar os olhos, esperava sem saber por quanto tempo... O relógio que ele nunca tivera acelerava com o sol e torturava na cortina negra que a noite cravejava de estrelas... Tão certo quanto a solidão em que ele sempre esteve, um dia tudo haveria de estar melhor... Ou isto era uma pitada de otimismo de que ele precisava... Ou isto era apenas a tentativa de confortar a sua espera por mais uma vida cinzenta e mais universos quadratizados pela mesma janela e por renovadas esperas...


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