quarta-feira, 16 de maio de 2012

Sobre o que devemos nos permitir.

Atesto, sem maiores ressalvas, que amor em caminho inverso, ao invés de amor inverso, pode ser amor real... Amarguras lapidam seres cansados que encontram-se em corpos e almas magoadas, machucadas, desacreditadas... Pouco esperam um do outro, mas com que confiança o fazem. As noites vão tomando natureza de inverno, mesmo não tendo o outono fugido de suas mãos. Há dias em que a chuva ligeira e gelada dá o ar de sua graça, enquanto as respirações multiplicam o vapor para dentro dos corpos, das almas e dos espelhos em que o medo se reflete. Parece que é tarde, mas é sempre cedo. O tempo escorre apressado quando os abraços aquecem a pele e confortam a alma disfarçadamente camuflados de diversão. Não sabem ambos... Não sabe ele, mal sabe ela. O amor em caminho inverso é o mais perigoso. Nenhum dos dois ama até ter perdido. Nenhum dos dois perde até acostumar-se a não dar valor. Nenhum dos dois quer usar palavras que interrompam ciclos de movimento e iniciem ciclos de sentimento. Nenhum dos dois percebe. Os dias seguem sua conveniência. Eles falam sobre qualquer tolice, assuntos densos, piadas, promessas caladas, carícias verbais. Encontram-se diariamente mesmo não tocando com a ponta dos dedos a face do outro. Não percebem que quando começam a ter sonhos é porque algo já não está como estava antes. Eles não comem juntos, não ocupam sofás, não vão ao cinema, não tem amigos em comum, não dançam juntos. Eles apenas fogem quando todos dormem, abraçam seus corpos com urgência, conversam com certa cautela e fazem perguntas com medo de ser invasivos. Eles se parecem mais do que conseguem admitir... Têm mais medo de amar do que conseguem esconder um do outro. Eles estão brincando de amar ao contrário, enquanto o outono não os faz amar lentamente, adormecer um ao lado do outro, contar piadas e comer batatas fritas, assistir filmes cujo final passará sem que o conheçam... O começo foi um engano ao contrário. Um aceitou o outro pela nomenclatura, muito mais do que pela segurança. As primeiras palavras foram a porta aberta. Ambos sentiam uma necessidade. Seja ela qual for ainda não conseguiram catalogá-la. Eles se perdem e se encontram todos os dias. Palavras não podem sanar tudo aquilo que eles precisam para ser melhores. Ainda sentem falta do aconchego da tarde de domingo e corpos em posição fetal adormecidos, um a proteger o outro enquanto a chuva fina cai. Eles estão aprendendo a pisar nos caminhos que levarão um ao outro. Demorarão para admitir que podem estar se entregando sem perceber. Mas, ao fim dos dias se seguindo e das palavras se acolhendo e dos corpos se abraçando, perceberão... Amor que começa ao contrário, não termina... Renova as palavras, as frases, os dias, as necessidades... Dá a mão ao que é novo e tem segurança... Mesmo quando é veloz tende a trazer tranquilidade e quando passa das portas pra dentro e enxerga as paredes brancas tatuadas pela história de cada um , aprende a decifrar as paixões mais secretas, a aliviar as dores mais agudas e a desprezar os minutos de ausência.

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