quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A Força do Silêncio XII


 Tarde de escola...

Quando olhei as crianças na tarde chuvosa, elas se pareciam mais com o muito do que um dia fui, com muito do que hoje sou. Os uniformes e tênis surrados, os cadernos amarrotados, os lápis e canetas mordiscadas pareciam-se com a saudade de um tempo em que eu era apenas mais um na multidão. Ah! A arte de esquecer rapidamente as palavras exageradas de alguém, a agressividade embutida nelas... Uma arte que reaprendo diariamente: A de acalmar o espírito antes da agressão... Mas ainda preciso entender porque existe um mundo de seres HUMANOS que vivem para atirar pedras a todos os lados. Eu olho as minhas crianças (nem tão crianças) em seus 15, 16 anos, com seus amores intensos e imediatos... Sorrio com seu mundo de celulares, canetas coloridas e perfumadas... Divirto-me com suas palavras atropeladas e o volume alterado das vozes... Lamento os erros de português e a caligrafia que me impede a compreensão... Vejo em cada um, um universo que se conforma em ser limitado... E, quando eu subo em cadeiras e os transformo em personagens, eu sonho... Sonho apenas em deixar uma semente positiva, qualquer que ela seja. Eu vejo Ana sorrir, releio sua produção textual, eu apenas tento enxergar nela um pouco do que há para além dos muros limitadores da pequena cidade provinciana. Perdido entre papéis mal escritos, livros didáticos cartesianos que aposento e sistemas de avaliação falhos, eu repenso a estrada. Eu projeto para a minha estrada uma História literalmente diferente. Não me interessam os números que avaliam, interessa-me o quanto isso poderá torná-los melhores para a vida e não para o boletim de final de bimestre. Eles sempre querem menos e mais. Quando menores, os olhares paternos esperavam que crescessem em idade, sabedoria e graça, assim como na fatídica história do suposto filho de um deus hoje desacreditado. Mas eles crescem... E crescem para descobrir que em outras épocas o sinônimo de desenvolvimento é diminuir. Diminuir o tamanho dos computadores e aumentar a sua capacidade de aumentar, a sua velocidade de realizar tarefas... Na tarde chuvosa, as vozes agudas e sem direção misturam-se ao chiado da chuva que agride o cimento das calçadas e tem cheiro de terra molhada. Minha mente cala minha voz, minha mãos derramam-se em canetas e páginas envelhecidas... Não há entre as paredes da sala de aula, as goteiras dos dias de chuva intensa, porque a chuva hoje é suave. O frio deixa os rostos juvenis vívidos e os olhos mais brilhantes... Lá fora os pequenos liberam o seu mundo em gritos recreativos; aqui dentro tudo está em paz. Há livros, folhas agredindo o silêncio ao serem movimentadas, a luz desnecessária da lâmpada fluorescente que compete com a claridade que ultrapassa as cortinas e vem de fora. Apesar delas (das cortinas) é possível avistar as nuvens brancas e a torre da igreja. Apesar das crianças e de suas tempestades de gritos, os ouvidos alcançam o barulho dos carros que atravessam o silêncio pela estadual. Não há tempestades dentro de mim, ou talvez elas existam... A alma sorri, o sorriso dos que me cercam e eles são feitos de leveza, de cores, olhares e uniformes e de esperanças travestidas em sonhos. Duas dezenas e três unidades... Mas o que era para ser um louvor ao caos, tornou-se a tarde de paz cujas lágrimas foram derramadas muito antes, como sobremesa ao almoço que não conteve palavras na expectativa de papéis médicos rotineiros e sempre amedrontadores depois da infância.

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