terça-feira, 23 de agosto de 2011

Partes de Mim XXVII


Lembranças de infância...

Quando chove tudo é um comum
Eu me sinto apenas um
ser de qualquer tempo
perdido em sentimentos
O céu nublado
recordando mundos passados
o frio e as gotas que caem
que caíram tantas vezes de outras fontes...
vislumbrar horizontes 
é um bem que a chuva não traz
apraz lembrar de medos tardios
apraz lembrar da infância temerosa
havia outras gotas
que transbordavam pelos olhos
um diagnóstico e um medo de morte
havia em mim nada que remetesse a sorte
torpes tentativas não resolviam
não amenizavam a dor
e não mais cabiam
sensações de ódio ou amor
cada fio de cabelo que se perdeu
me fez fugir ainda mais
cada dia em que em mim morreu
um pouco da esperança que jamais
eu poderia ter depois
foi o que pensei
mas eis que há em dois
seres ou sentimentos um retorno
quando a negra cortina que emoldurava o rosto
tornou-se uma rara solução para encobrir
a ausência do que ali
não podia mais existir
eu passei a me esconder do espelho...
a cada novo banho
a cada novo momento
um sentimento estranho
um estranho sentimento
tão criança ainda
e a ferida não estava exposta
mas havia dor e na berlinda
do adoecer a mente não comporta
tantas dores acumuladas
o envergonhar da estética diferente
os olhos curiosos ou indiferentes...
parte da negra cortina se foi
visitou meu rosto, enorme palidez
mas eu apenas calava...
eu apenas fingia
como estratégia em xafrez
planejava o próximo passo
torci para que se fosse 
terminar tão cedo
pudesse parecer mais doce
pudesse despertar menos medo
convalecida em desmaios
dores lascinantes e frustradas
investiduras para melhorar
o que não tinha melhora
eu me atirava de soslaio
à tristeza em madrugadas
eu não queria ninguém acordar
soluçava baixinho nas mais altas horas
por fora uma fortaleza
por dentro um campo minado
levara de mim , do viver a beleza
levara-me a pureza de criança
Um câncer qualquer
sem qualquer esperança
tornou-me mulher ainda criança
e eu apenas me calei
eu não contei
e quem me viu depois
pensou em serenidade
em sombras de literatura
o que há em mim faz parte da idade
em que a alma me foi a mais dura
provação de divindade
eu não acreditei em seu deus
e nem acreditei em bondade
poucos souberam do que aconteceu
e os olhos que se enchem d'água
eu transformo em aula de história
a memória as vezes dói
pode ser até sombria
mas tudo o que corrói
o peito dilacerado
pode ser parte da reconstrução
um dia o sol nasceu
mas sempre houve em mim
parte do que se perdeu
parte da negra cortina
parte do que me perdeu
quando ainda menina
A sombra que as nuvens projetam
um escuro deserto
em que sempre me escondo
às vezes expondo eu me liberto
mas sei que poucos percebem
sei que o muito que recebem
de uma alma aprisionada
parece às vezes tão pouco
parece ser quase nada
mas é muito mais
mais do que eu posso dar
se já perdi tanto em curta estrada
Sou feita de um pouco de chuva e céu nublado
sou feita de sonhos dilacerados
de medos da morte que não mais existem
sou feita de amores que persistem
mas que não quero esconder mais
sou feita de tantas formas
transito em um único cais
tudo o que foi por água abaixo
e há muito
mas era apenas um pequeno pedaço
foi uma ponte de aprendizado
um silêncio que deu autonomia
e na primeira melodia
com gótica aprência que eu ouvi
eu me encontrei
e nas falas de Pessoa
e em toda a dor transbordada eu também transbordei
como a última gota do copo
como o cheio espaço de vazios
e tem melacolia na chuva
e tem meus dedos na luva
e tem frio pra fora das paredes
e pessoas que não compreendem
ninguém sabe o que é dor
até que ela doa em si mesmo
ninguém sabe o que é dor 
até ter andado a esmo
ser perspectiva de voltar
ninguém sabe o que é dor até perder parte de si
até perder partes de mim
eu apenas era criança
depois que a moldura se perdeu
eu fui adulta
antes que me ensinassem 
a dor e o medo do próximo dia
por vir me ensinaram
e hoje eu sorrio
e o sorriso é leve
e a chuva é uma poesia
e o momento é breve
em lembro de tudo isso
mas se não me esmero em dizer
eu choro por não entender
qual é a dinêmica do mundo
qual a justiça da vida...
serenidade me define..
ternura me abriga...
amor me liberta...
talvez eu volte a ser criança então...



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