sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Prosas que o Mundo dá XXVIII


Fragmentos do que não fui...

Existem horas sem conexão em que o caos irremediável dos dias parece calar quem realmente somos... Os olhos fechados são cacos que não poderão mais estar interligados, pois não haverá aderente que dê conta de tal missão... Um dia, eu vi o mundo pular de paraquedas sobre a minha minúscula estatura e eu sobreviví em força de resistência que julgava não ter... Tinha lágrimas que engolia antes de transbordarem a fina camada que protegia o olhar... Eu reconstruí cidades imaginárias toda vez que meus próprios fantasmas traíram a natureza que os alimentava e abandonaram a solidão em meus braços... Construí nas mesmas sombras em que empalideceu a minha pele, uma escada para alcançar o que havia para além do muro e do quintal... Não sei o quanto são imaginários o muro ou o quintal e nem se os criei para me recriar... Muitas vezes pensei serem eles o meu esconderijo, em falta de um último andar em que me camuflar... Mas, hoje, eu cansei de pensar... De olhar sempre para os mesmos pares de olhos caminhantes que me abordam vindos de todas as direções, calculáveis e visíveis, ou não... Quando me coloco entre quatro paredes brancas existem ainda os pares de olhos que não piscam e que não vêem de verdade o que há em mim, mesmo assim sinto-me observada... Furtei-me escolhas e agora sei que não quero escolher coisa alguma, apenas quero viver aquilo que imagino ser... Não há limites para complicar o que é simples... Eu penso novamente e refaço os passos de antigamente e os de hoje... Quem eu sou e quem fui? Não sei dizer de que matéria sou feito, mas há muito sei que os poros que me compõe exalam poesias e sensações e sentimentos... Aprendi a crescer com as ausências ou a construir com pedras que me atiraram o caminho pelo qual trilhei... Caí e levantei tantas vezes que cheguei a acreditar que a queda era realmente um passo de dança como já dizia Fernando Sabino... E eu dancei... Dancei com tanta persistência... Os pés calejaram, as mãos cansaram, o corpo doloriu, mas eu dancei... O cabelo caiu e a infância acabou cedo demais, mas tudo transformou o que era comum em comum tentativa de não o ser... Eu ainda olho as pessoas nos olhos e ainda temo o que vejo no interior delas... Ainda quero arrancar tudo o que entristece a alma humana com as mãos... Ainda sou tão adolescente como um dia não cheguei a ser, por pular etapas que não me permitiram as circunstâncias viver... Eu ainda cresço, cada vez que o ar entra e sai de meus pulmões e eu consigo ter consciência disso... Tenho a expectativa das curvas e o rumo definido de poucas estradas... Eu visto em palavras o que trago no coração, mas há quem não entenda... Há quem me entenda mal, julgue e condene sem direito à defesa... Não minto e digo que estou acima disso... O coração sangra toda vez que alguém se perde no que você é e em palavras desfere golpes de espada, rasgando a pele e, principalmente, sangrando a alma... Mas... O mesmo coração que sangra fácil por tanto sentir, também é aquele que pulsa forte por pequenos ideais, vitórias, grandes amores, palavras de vento, rimas de poesia, meses de primavera, aviões por chegar... Entre palavras e entrelinhas eu ainda sou do tipo que demora a dormir depois de aconchegar-se ao cobertor e fica a imaginar o por vir... Tenho fobia do sono... Talvez nisso se construa a insônia quase frequente... Amigos? Raros e passados... Profundas feridas, também, por terem se deixado levar pelas amarras cartesianas da vida e pelos desmandos do tempo... Não tenho confidentes... Só essas palavras em que libertar o sentimento... Faltam-me abraços e eu necessito deles tanto quanto do ar para viver e ser um pouco de mim... Busco em meu interior cada ternura despertada, cada leveza conquistada, cada palavra doce, cada pequena gentileza que eu gostaria que me fizessem ... Eu distribuo o que há de bom em mim, mas sei que poucos são capazes de entender e conhecer aquilo de que realmente sou feito... Então eu finjo que não me importo quando lembro das piadas que ouvia quando era criança por causa dos cabelos ausentes... Finjo que não me importo mais... Finjo... Porque cada ausência fere mais que navalha rasgando a pele... Eu digo que estou bem, mesmo quando não estou... O sorriso é maior do que o rosto, mesmo quando há máscara a esconder o desgosto de sair em mais um dia de sol pra brincar de representar a personagem que não sou eu...

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Uma criança pequena cruzou a estrada correndo e mediante o olhar perplexo do motorista que freou freneticamente para evitar a colisão, a criança sorriu com uma verdade que fez os olhos do homem se encherem de lágrimas... Já não era mais infante a criança e nem adulto o homem... Havia batidas descompassadas dentro do grande coração e um olhar de quase acolhimento no rosto delicado... Nada precisava ser dito... A verdade dos dois tornou-se uma, na troca de olhares... Desceu do carro e correu ao menino que lhe abriu os braços ainda com o mesmo olhar de calmaria... Ele não vinha de tão longe para usar automóvel e a criança não tinha tanta pressa para cruzar a estrada sem olhar para os lados, mas ambos eram feitos do mesmo calor e sentiam a extensão de um mesmo coração pulsar... Naquela mesma tarde, em frente a um programa qualquer de TV aberta, eles se entreolharam enquanto a mãe-esposa servia chocolate quente... Não havia palavras e o cinema-mudo que representavam tinha nos olhos e olhares os atores principais... O que não foi dito e nunca seria uniria ambas as personagens durante toda a peça teatral da vida... O laço que nunca seria desfeito e a verdade que passaria despercebida por não ser a manchete do jornal daquele dia e nem ter virado confidência na relação marital ou no afeto filial...

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E quem foi capaz de tornar segundos, minutos, horas dias em contagens regressivas, também soube desfazer todo esse peso que precede o por vir... 

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