terça-feira, 6 de setembro de 2011

Amor em pares: Sobre Laura e Arthur II

 

Haverá Tolice na Saudade?

Arthur olhou todos os dias de sua curta existência, pela mesma janela sem graça. Esperou pacientemente que a lembrança embaçada, guardada desde os primeiros dias de vida em sua mente, um dia tomasse formas mais definidas... Foram muitos invernos perdidos, perdendo-se no cobertor e alimentando a espera... Foram muita chuvas de verão, embriagando-se de fantasia... O objeto da espera tinha um nome: Sara.E isso era uma boa parte do que ele sabia... Arthur temia cada resposta que seria dada às suas perguntas, quando ele tivesse coragem de fazê-las... Mas, os anos passaram ligeiro e os passos lentos que o tempo levou, fizeram a lembrança desbotar... O menino-homem não encontrou as respostas para as perguntas que só fez em pensamento. Mesmo assim cresceu. O suficiente para entender que abrir um largo sorriso e fingir satisfação convenceria o mundo de que tudo nele estava bem... Arthur cresceu e a janela foi perdendo o encanto de outrora. Sara transformou-se apenas em um inverso, um nome feminino que queimava em saudade. Se dizem que o "coração tem razões que a própria razão desconhece" é possível que isso se aplicasse a Arthur. Um dia, a verdade escorreu pelo par de lábios em almofadas que libertavam a voz do pai... O leito paternal era de morte. Mas as palavras libertadas entre os últimos suspiros do ser agonizante eram vida... O menino-homem era agora homem-menino... A lágrima contida que nublava a vista era um sinal. Sara não voltaria. O vestido florido que ele guardara a vida inteira junto à caixa de recordações nunca mais teria o corpo que o perfumou. O perfume de acácia e sândalo nem existia mais, mas bastava abrir as portas do velho guarda-roupas... Arthur sentia o perfume da mulher sem rosto que se chamava Sara. Podia lembrar do cheiro de manhã que misturava café e pães frescos... E, de repente, enquanto a marcha fúnebre o despedia do pai, ele lembrou. Sua mente sempre soube que Sara não voltaria... A janela, o cobertor, o verão, a saudade, o vestido e a lágrima que nunca caiu sempre souberam... E, então, como a fênix renasce, os olhos de Arthur abriram-se para o mundo pela primeira vez em muito tempo... A lembrança tocou o coração do menino, na mesma hora em que a primeira gota de chuva caiu. E ele correu... Se tivesse observado ao seu redor, perceberia a doce figura de pele branca e cabelos negros que observava de longe.Mas ele não tinha tempo. Ignorou as buzinas e atravessou a avenida burlando os sinais. As faixas de pedestre perderam o sentido no caminho sinuoso da estrada. Mas havia um caminho e ele sabia. Adentrou à porta da csa paterna, com os tênis enlameados e correu ao seu antigo quarto. O guarda-roupas velho tinha o mesmo cheiro quando entreaberto. A caixa de recordações parecia não mais esconder umuniverso inteiro. Arthur abriu a caixa aos pés da cama , de frente para a janela da eterna espera... Ali estava a memória eternizada: uma fotografia em preto e branco... A moça usava vestido florido e estava em frente a uma janela. Em seus cabelos negros havia uma flor branca, quase rão branca quanto a pele em que se protegia o rosto. Ela tinha nos braços um menino sorridente: seu nome era Arthur. Quando a noite das tristezas tomou o coração de Sara, nem mesmo os olhos filiais puderam salvá-la. É que a vida às vezes não é escrita em cores de contos de fadas... A vida às vezes é estrada dolorida... E a gente aprendeu a esperar e janelas, o que sempre soube que não chegaria...
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Haverá tolice na saudade? Não sei dizer.
Mas sempre haverá poesia na espera.

2 comentários:

  1. A saudade e seus imprevisíveis desdobramentos. Texto bastante pictórico: é possível sentir como se presenciássemos a cena à nossa frente e sermos envolvidos por esta triste saudade.

    Parabéns pelo texto.

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  2. Obrigada pela delicadeza das palavras e sempre haverá uma imagem na mente que guarda uma sensibilidade capaz de alcançá-la nas palavras...

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