Palavras ao Vento
Laura levantou acampamento do quarto que estampava e buscou o moço choroso de roupa cinzenta, sentado à porta... Viu que muitas lágrimas escorriam na face magra, umedecendo a barba por fazer e empoçando nos vincos de pele, próximos aos lábio superior. Pensou em palavras que poderia arremessar ao vento, para tentar reduzir aquela dor forte que ele parecia sentir. Mas ela própria tinha dores demais. Ousou passar os braços, por sobre os ombros dele... Mecanicamente a cabeça chorosa de Arthur recostou-se ao ombro pequeno... "Eu sinto frio - disse ele - Sinto frio há muito tempo"... Ela entendia... Ela também sentia... Um frio que rasgava cada pedaço do seu ser... E, toda vez, que Laura olhava para o grande homem retalhado pelo tempo que se abrigava na cada dela, tão sombria... O frio aumentava... Porque Laura sabia que o grande homem, agora velho, morria pouco a pouco... Levantou-se devagar e ofereceu a mão a Arthur... Caminharam por horas sem pronunciar palavra... Vez por outra sentavam-se embaixo de uma árvore qualquer... As cabeças recostavam-se, de vez em quando, em ombros alheios... O peso do mundo carregado nas costas, agora dividia-se por dois... Quando ela deixou Arthur na porta daquela casa, ao fim do dia, tinha uma alma mais leve... O caminho para casa teceu seus estranhos laços... Ao fone de ouvido "Across de Universe" era uma boa trilha sonora para lembrar. Abriu a porta pesada de madeira devagarinho... Já que o velho, por certo, estava dormindo... Dito e feito. O rosto envelhecido, com olhos semicerrados e lábios finos entreabertos, jazia adormecido no sofá... O tempo e as circunstâncias fizeram o grande homem perecer diante dos olhos de Laura. E agora... Ela sabia que ele estava ali por se sentir culpado. Ele se sentia culpado por não ter sido um pai como os outros. Sentia-se culpado por todas as vezes que ela errara, por todas as palavras ácidas que ela despejara... Ele se culpava e Laura também... Tantas vezes ela viu a dor transfigurar aquele rosto, diante dos acidentes filiais... "É, meu pai... A menina cresce..." - pensou Laura, diante da figura triste a sua frente. O grande homem, agora velho, respirou fundo. Respirou fundo e resmungou algo que ela não compreendeu...Um bocejo entrecortou o sono. Ele acordara. Por um momento, o grande homem e a pequena menina se encontraram, novamente, onde os olhos se reconheceram. Apenas um breve momento e, então, ela fingiu ter algo para fazer no quarto e saiu, bruscamente, sem nenhuma despedida, aviso, motivo... Aqueles olhos viam além e ela tinha medo do que o grande homem via quando cruzava seus olhos nos dela... Porque, desde criança, bastava um olhar pra que tudo se esclarecesse entre eles... Mas fazia tempo que a infância passara... Fazia tempo que eles não se olhavam mais...
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ResponderExcluirVenho lendo a sequência de episódios que você postou emendando as histórias de Laura e Arthur... Tem muita cara de mundo real... Só que as personagens externam o que a gente esconde... Muito bom...
ResponderExcluirRosa Maria Mendes