terça-feira, 11 de outubro de 2011

Amor em pares: Sobre Laura e Arthur XV

 

Live and Die

Pela primeira vez, uma gota de som desfigurou o vazio do peso que havia entre eles... Entre mentiras e inverdades, incertezas e saudades... As silenciosas faces do vazio reconheceram diletas semelhanças... Amor... Amor! Amor? Quem sabe o que é isso? Entre Arthur e Laura nada era amor... Luz e sombra, sol e chuva, seca e temporal, imensidões e unidades... Entre as dores que se amaram à primeira vista, tudo era necessidade... Nem ele admitia o conforto do café da manhã, nem ela entregava a ele as suas dores... Não era amor, não era paixão... Não havia um par, embora fossem dois... O cotidiano sombrio era pedra de construção... A manhã em que a casa lembrara Sara, a figura materna de outrora, era um chuvisco de água fria para aliviar o calor da tristeza... O ombro emprestado em dias de caminhada era um retorno ao lar... Arthur era um homem de vitrolas, discos em vinil, máquinas de escrever... Laura era moça de diários, tintas, canções, fones de ouvido, exames de triste resultado... Da janela pra fora, ela era pálida face em moldura e detalhes negros de olhos e cabelos... Da janela pra fora era ele uma esquelética paisagem de olhos e ombros caídos e embalagens eternamente acinzentadas... Da janela pra dentro, as dores se amavam desde quando nem se conheciam para além das janelas...No interior do interior, as almas sentiam o mesmo frio e a dor diferente fazia-se sentir igual... Na eterna espera da parede em que o retrato progredia pelas mãos pequenas, ele tentava nos detalhes libertar a si mesmo. Mas, acostumara-se à dureza dos próprios atos... Não sabia de mais nada e nem queria saber... Ela olhava para a parede, para o homem-menino e rezava, mesmo sem acreditar em nada... Rezava para que o retrato na parede não exigisse mais do que o pouco tempo que lhe restava. Nas noites que se faziam escuras dentro e fora do universo de um olhar, ele tinha pesadelos... Sonhos dentro do sonho... Ela soluçava baixinho, um choro sentido, um medo de ter medo... Ao cobertor ela se encolhia... Às vezes, o grande homem, agora velho e mais presente, ouvia o soluço abafado da sua menina... Às vezes ele entrava em silêncio e a abraçava forte, tentando tirar as dores de Laura com as próprias mãos. Ela não contara nada a ele, porém de alguma forma, ele sabia e ela percebia isso na forma como ele a olhava... O silêncio... Ela calava a dor para não sentí-la ainda mais... Ela silenciava a dor, silenciava a distância, silenciava a saudade, silenciava a distância, silenciava... O mundo perdia a cor, o tempo encurtava a estrada e Laura silenciava... Perdia o medo da morte, o medo que era da vida... Cuspia palavras, palavras ao vento, palavras... Nem palavras Laura tinha mais... No diário escondido na gaveta de pijamas, as linhas escasseavam cada vez mais... E ela nem sabia porque esconder o diário... Era como se na calada da noite vampiros que escutavam a sua dor pudessem aproveitar-se da leitura para fazer doer ainda mais... Ninguém lhe fazia agrado, ninguém a abraçava mais em abraço de acolher... Laura pensava ser tarde demais. A estrada sempre vazia, agora fazia curvas e no horizonte não havia mais nada... Só as pessoas, também vazias, que caminhavam sem olhar para as outras, sem olhar para si mesmas... Não havia no pó, mais nada a perguntar... Era o corpo que ia embora, todos os dias, sem nunca ter dito adeus... E, quando ela aprendia a ver o mundo em horas iguais... Às duas dezenas e três unidades dos ponteiros, escreveu na página em branco do diário, em letras garrafais:

"LIVE AND DIE".

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