De Médico e De Louco...
Tinha tudo pra não ser nada disso... Nem o título e nem o conteúdo... Mas, nada que uma tarde caminhando por estrada de chão não dê jeito de reformular... Eu vi o moço de meias brancas pisando a poeira seca de um universo sem chuva e ele usava casaco de lã... Contraste um tanto quanto surpreendente ao passo em que eu sofria o calor do sol da tarde a agredir o meu rosto sem piedade... O rapaz, nem tão rapaz... O moço, nem tão moço... As pessoas desta pequena província em que me escondo chamam a residência de casa dos Loucos e eu lembro do Alienista toda vez que ouço isso... Quem foi que estabeleceu o que é ser normal? Qual é a senha da normalidade? O que é loucura? A moça que é irmã do rapaz, que também é chamada de louca toca o carro de bois e alimenta os porcos que passeiam livres, junto aos cães... Não há regras... Sentam-se no chão, andam e param quando sentem vontade... Não falo agora de cães ou porcos... Falo da moça que caminha desajeitada, como se percebesse o olhar recriminatório das pessoas que decidiram chamá-la de insana... O rapaz de barbas por fazer resmunga palavras que para mim não fazem o menor sentido, mas quem sabe se as coisas de que falo fazem sentido para ele... A mãe tem o rosto desfigurado pelas amarras do tempo e carrega em cada ruga um vinco de tristezas, retrabalhos e de julgamentos precipitados a que ela é submetida... O pai tem a magreza de um rosto escondida pela sombra da barba quase branca... Ele fala pouco, não fala quase nada, tem olhos de animal arisco, lábios ressecados e caminha com pressa sempre... Parece fugir do mundo, dos olhos alheios ou de si mesmo... A Casa dos Loucos não tem grades, não tem cercas, não tem portão... As janelas estão sempre abertas e não há cortinas... Os cães vivem soltos e brincam com os porcos, a moça é também peão e rege os bois com firmeza e maturidade... O rapaz veste-se daquilo que o faz feliz, não importa o calor, o frio ou o olhar de julgamento que vem do outro lado da rua... O que é a normalidade, então? Tudo quanto era dor que eu sentia hoje pela manhã perdeu o foco na cena familiar e no estereótipo que inventa de determinar valores, espaços e sentidos... A humanidade é desumana e não tem refrão que discur se melhor que este termo oitentista... Tenho dores, tenho males, tenho visões, pesadelos, sonhos, sensações, saudades... Mas, será que tenho normalidades? Será que preciso ser normal? Que preciso de fios de cabelo e sorrisos inevitáveis? Será? Do que eu preciso afinal? Será que não precisamos todos da mesma coisa, mesmo sem saber o que ela é exatamente? Será que toda a cura resume-se a líquidos intravenais?
"Pra que pensar se é mais fácil só reagir a tudo?
Pra que lutar se é mais fácil sorrer, fugir de tudo?
Mas, não esqueça hoje anoitecerá..."
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