quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Existia um Amor. Duas pessoas existiam. E agora? #6

 
 Nunca se sabe

    Logan morava em um apartamento pequeno em New York – sala, cozinha, dois quartos e um banheiro não muito grande. Passava a maior parte do tempo entre àquelas quatro paredes construindo um mundo só seu, um mundo que nenhum outro jovem da sua idade gostaria de viver.
    Um dos quartos – o menos freqüentado – possuía uma cama centralizada, de frente para a janela, uma escrivaninha e o guardarroupa que conseguira num leilão de móveis antigos. O outro possuía seus “instrumentos de trabalho”: pincéis, cavaletes, paletas com cores vivas, tintas espalhadas pelo chão e, mais do que quadros pintados, quadros em branco. CDs de bandas de rock dos anos oitenta e um som velho que às vezes precisava de uns bons tapas na tampa para funcionar.
    Era todo velho àquele lugar. Apesar da pouca idade física, Logan tinha o espírito cansado. Não vivia, existia. Mas nada existia sem algum propósito, mesmo que fosse difícil acreditar que um homem aparentemente anti-social sem amigos servia para alguma coisa.
    Acordou na manhã de domingo com o cheiro de pães frescos vindos da padaria no andar de baixo. O sol batia fraco em seu rosto e nem aquilo o fez ter vontade de se levantar para fazer qualquer coisa que fosse. Então se lembrou da pintura que tinha que terminar antes de quarta-feira – o que parecia uma tarefa praticamente impossível, e aquela era sua única chance de mostrar que não era só o menino esquisito que ouvia “músicas de gente velha” e que gostava de exatas e comia donuts açucarados no intervalo do Colégio. E ele era isso tudo e mais um pouco. Ele era o menino com o melhor gosto musical, o mais inteligente e o que não esperava nada que a vida não pudesse lhe oferecer, nem amor, nem paz, nem confiança. Eram doses que Logan não conseguia beber. E ele tinha razão. O mundo sempre soube ser cruel.
    Preparou o seu chá de todos os dias, aquele bem amargo por que “não criava doces ilusões” e foi pintar mais um episódio da sua vida naqueles quadros perfeitos. O único problema é que ninguém enxergava a dor por trás da névoa que compunham a paisagem do seu céu que entrava no mar de esperança que não tinha. E foi só isso o que fez por dois dias inteiros: pintava por si e pelo gosto da admiração.
    Na quarta-feira, quase atrasado, chegou com a pintura totalmente molhada na sua primeira de muitas exposições – um fato que ele ainda demoraria a descobrir. Deu o seu melhor sorriso para o atendente e saiu do estabelecimento quando uma moça loira com olhos tão amargos quanto o seu chá entrava.
    Logan não olhou para Kim, não se virou para acompanhar seus passos, não reparou no vestido verde água que usava e muito menos nos seus cabelos presos em um coque. Só voltou para sua decadência no apartamento sujo com cheiro de removedor de tinta a óleo.
    Kim não percebeu a presença Logan, o rangido de suas botas surradas, a cicatriz que ele tinha bem no queixo, muito menos no seu ar de solidão. Afinal, por que ela iria reparar naquele estranho que não faria a menor diferença em sua vida? Só continuou andando, à procura de algo que agradasse seu gosto refinado pela arte.
    Por coincidência, ou para quem acredita, destino, Kim se deixou levar por uma pintura recém colocada. O céu vermelho contrastando perfeitamente com um mar muito azul. Olhou para porta.
    Kim não tinha a menor ideia que Logan, o homem que ela resolveu não reparar, tinha pintado aquele quadro. Logan nem ao menos sonhava que a mulher de estatura baixa e vestido verde água compraria sua arte.
    E foi assim mesmo que começou o amor. Por que amor de verdade não é só o contato, não é só o que os olhos podem ver. Tem toda aquela coisa de colocar o coração na mão e sangrar. Aquela coisa de olhar uma pintura e sentir a garganta apertada e não poder chorar. De querer colocar o quadro na sala só pra mergulhar naquele choro e cair num precipício. É amar. 

"Para o amigo que sempre me estendeu a mão".

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                                                                                          Leia mais: Antes que o tempo acabe

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