terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Eis um Pequeno Fato: Você vai morrer. #4


Distúrbio

Ainda que vazio, aquele quarto estava repleto de fantasmas  de um crime que só eu poderia explicar. O chão não havia sido limpo há meses. Baratas rondavam os restos dos meus brownies e isso me assustava; não pelos motivos normais, mas pelo fato de como eu havia mudado desde o último outono. Espantei-as com os pés descalços, feridos pelos fiapos de vidro que ainda estavam por alí. Levantei, mirando meu equilíbrio naquele ponto aberto na parede, onde todos os meus antigos e fúteis medos haviam acabado, gerando os que hoje me consomem.
Durante meses, recebia no escritório flores e chocolates de uma pessoa que se dizia apaixonada por mim. Impressionada com a nobreza de suas palavras nos cartões, comecei a me deixar levar pela idéia de que alguém me amava. Depois de muito tempo de tantos presentes, resolvi pedir ao entregador que levasse agora um meu. Comprei várias trufas e coloquei-as numa cesta, junto com uma nota que dizia: “Não acha que mereço te conhecer pessoalmente?” E logo abaixo pus meu telefone. Com duas semanas sem respostas, pensei ter estragado nossa “relação” com minha atitude.
Numa sexta-feira, exausta e com vontade de tomar um bom banho com sais, despedi do meu amigo Barry, sai do trabalho e peguei o metrô. Chegando, abri a torneira da banheira, voltei para a sala e esperei que enchesse sentada no sofá. Lembrei  que hoje chegava o catálogo de antiguidades que  havia pedido pela internet. Fui para a porta e lá estava, na caixa de correio. Sentei-me de novo e comecei a folheá-lo, na esperança de achar a mesa de boticário que queria. Levantei e fechei a água, antes que transbordasse. Quando voltei a sala, a folha onde tinha a mesa havia sumido; chequei mais duas vezes e cheguei a conclusão de que o stress de tantas horas de trabalho estava me levando a insanidade.
No outro dia, pela manhã, fui ao café próximo à minha casa. Tomei o táxi para o Central Park, a fim de fazer uma caminhada. Quando voltei, o carteiro acabara de pôr mais correspondências na caixa. Cumprimentei e peguei as cartas. Uma era dos meus pais, contando que haviam mudado novamente de casa. Senti saudades da antiga instabilidade que vivia quando morava em Missouri. Todas as outras eram contas, exceto por uma, num envelope rosa claro. Entrei e comecei a abri-lo, enquanto pegava o telefone e ligava para a pizzaria, com o estômago já roncando. Dentro, estava a página com a mesa que eu havia pensado ter sumido do catálogo. Em cima da figura, estavam as palavras “Já nos conhecemos”.
É dispensável dizer que fiquei sem dormir por um bom tempo. Como poderia eu descansar quando um psicopata tinha acesso livre à minha casa? Antecipei minhas férias no trabalho com a desculpa de ajudar meus pais com a mudança. Fui recebida com surpresa por eles, afinal, não os via há quase um ano. Fui para o quarto de hóspedes, bastante cansada pela viagem de ônibus.
_ Filha, está tudo bem com você? – Minha mãe adentrou o quarto, sem bater e me dando um susto enorme.
_ Sim mãe, tudo bem! Eu estava com muitas saudades. – Forcei o sorriso, a fim de esconder minha paranóia.
_ Está um pouco tensa. Aconteceu alguma coisa? Ajudo-te a desfazer as malas, enquanto me conta o que te aflige.
Instinto materno; realmente à prova de falhas. Fui empilhando as roupas sem saber se dizia a verdade, ou apenas descontava no trabalho meu estado de espírito.
_ Tudo bem se não quiser falar, mas não vejo um motivo pra manter algo escondido de mim.
_ Não é isso, não quero esconder nada... – Parei a frase pela metade, ao ver um pequeno embrulho guardado ao lado das minhas roupas, com um laço vinho. – Mãe, foi a senhora que pôs esse presente aqui?
_ Não que eu me lembre, apesar da minha memória estar bem falha ultimamente...
Tirei o laço cuidadosamente, pois o interior do pacote parecia ser bem frágil. Rasguei lentamente o papel, com medo do que eu iria ver depois da fina camada lilás. Reluziu o brilho de um globo de neve, cujo interior havia uma mini cozinha e uma boneca. Virei ele várias vezes pra ver se encontrava o remetente; embaixo tinha escrito: “Não me corresponde mais, tive que procurá-la . Aonde estas?” Virei de novo o globo e percebi que a boneca estava sem cabeça e segurando um telefone. Soltei-o, fazendo um grande ruído. Ele conseguiu entrar de novo depois de todos os cadeados que eu tinha posto? Como? Será que eu o despistei? Quando minha mãe veio em meu amparo, meu pai gritou meu nome do andar de baixo. Desci as escadas rápido, pulando os degraus, aterrorizada. Ele olhou meu rosto e riu:
_ Que isso garota, qual o motivo desse espanto? Só te chamei pra avisar que chegou uma encomenda pra você.
Tomei-a de suas mãos, tremendo. Era um livro, O Morro dos Ventos Uivantes. Abri-o na primeira página : “Não faça de nosso amor uma tragédia. Espero que não fujas mais de mim, me deixou realmente furioso. Última chance, querida.”

Continua ...

Pro meu amigo, motivador, psicólogo particular e karma nas horas vagas. Amo você (:

 Siga: @JoFreire_S

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