quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Existia um Amor. Duas pessoas existiam. E agora? #7


Desamor

Coração vai batendo lento. Corajosa e descompassada chego perto de você toda manhã, quando o orvalho ainda é só suspense. Pela lembrança, sem meu sonho encostar-se ao seu, sem aquele breve encontro de espíritos que a gente tinha tanto medo porque alguém disse que era ligação demais, resgato cada sorriso esquecido que você já me deu. 
Sem notícias ou divisão de segredos, sem “conta comigo”, sem “estou aqui para sempre”, sem recíproca, sem força e os choques de desculpa que a gente tanto se combinava. Tudo para dar certo. Penso na vida que passou, muito nossa e ninguém rouba. O que não é suficiente para perpetuar a negritude dos seus olhos medindo meus pulsos, minhas mãos, esses detalhes do corpo que eram mais seus do que meus. Ainda não perdi. E agora vou jogando as cartas, as peças, as minhas estratégias de amadora de xadrez falida. Puramente amadora. E falida. 
Sou dura, já não respondo, mas sei que é capaz de lembrar o pior defeito e a mais figurativa rota de escapismo entre nós dois: somos decisivos. Certos em não voltar atrás depois do tempo. Não subestimar o futuro. Não carregar esperança. Pois amor também morre, já diziam as flores da rua. Os discursos que eu proclamava, alterando minhas falas para combinar mais com os traços do seu rosto; a cisma de alisar meu ombro, arrancar com a ponta dos dedos o peso que os tornava baixos - como se eu fosse Atlas, como se o mundo entrasse em minhas costas às seis da tarde, o sol indo embora - e você beijava a pele e me pedia mais cinco minutos, só mais cinco minutos, por favor. Com nosso tempo contado e aos tropeços. Era bonito. Lindo. 
Chegar atrasado por um arrepio a mais, por uma promessa sem sentido que a gente proclamava de mente insana, de boca vermelha, de riso fácil. Eu abaixo a cabeça, a hora de ser firme já acabou. Sem mais redenção, sem prender as altas expressões de sentimento, sem pudor dizer que não perco e não aceito a indiferença. A indiferença que é capaz de pisar nas flores que tanto nos alertaram. A indiferença que cega e esfola, corrói e estrangula, asfixia a ligação. Falo demais, conto do meu vazio, conto, repleta de reticências, abraço até você reclamar da minha frieza. 
Você está certo, está certo. Volto para dizer que o que eu tenho não é saudade. Não é desejo reprimido. Não é retrocesso. Eu deixo minha memória vagar por você porque a precisão da beleza não é para todos. Como um quadro à tinta guache e sangue quente em que a cachoeira é estática, mas todo mundo enxerga a queda. Pela disposição das cores, das formas, dos amores. Você é a própria cachoeira guardada na parede, sem arrependimento para te colocar embaixo da cama. E eu encaro seu cheiro doce de refrescância querendo, sim, pular. Querendo, sim, molhar. Querendo descobrir os peixes e as estrelas grudadas em sua rocha, a nobreza ferrenha do constante suicídio de seus olhos.
Descobrir cada gota concisa em cair por mim. Mas decisiva, pois você não passa da memória, da beleza do instante em que o quadro é feito. E posso nadar sem entrar na água, mergulhar sem parar o pulmão. É desse jeito que se descreve o término. A vida segue com o brilho dos satélites e dos dedos que cansaram de nos tocar. Mais do que nunca é abrir os olhos. Mais do que nunca é reiteração. A sua boca bonita que era ainda mais bonita comigo. Mas agora eu sou o próprio orvalho, a própria flor, a própria jogadora falida que conta com o acaso.

          E o amor é nada mais que o próprio acaso. É desse jeito que se bate palmas por história de romance  com ponto final.

                                                         "Para minha amiga de longe mais antiga e enrolada".


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                                                                                          Leia mais: Antes que o tempo acabe

3 comentários:

  1. Eu realmente adoro seus posts.
    Você é simplesmente incrível.
    Obrigada por dedicar esse a mim. Te amo muito e continue tão boa assim.

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  2. "A vida segue com o brilho dos satélites e dos dedos que cansaram de nos tocar. Mais do que nunca é abrir os olhos. Mais do que nunca é reiteração. A sua boca bonita que era ainda mais bonita comigo. Mas agora eu sou o próprio orvalho, a própria flor..." Este trecho me encantou tão profundamente...Mas o texto todo é encantador... Um Lindo texto para nos lembrar que vivemos num mundo onde a poesia e a beleza ainda resiste e existe...Parabéns querida!!!!

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