terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Eis um Pequeno Fato: Você vai morrer. #5

 

Distúrbio 
(Parte 2)

Sempre tomei bastante cuidado com os meus atos. Um simples tropeço poderia causar um grande colapso em algum lugar desconhecido. É o chamado “Efeito Borboleta”, ou, como conhecemos na física, lei da ação e reação. Parece que mesmo tendo como precaução meu código de vida, ainda restavam pontos soltos, que eu mesma não notara. Ondas que não pude controlar. Maldito universo.
Depois de ter aberto meu novo presente e percebido que não tinha como eu escapar daquela aberração, resolvi confrontar seus sentimentos. Logo após pegar o livro, perguntei a meu pai quem tinha entregado o pacote.
_ Uma rapaz estranho. Foi ele quem lhe enviou? – Perguntou, tomando-o de minhas mãos, enquanto eu já estava a caminho da porta. - Nem creio que nunca o tenha lido! Verdadeira artista essa Emily Bronte...
Olhei em direção a avenida, mas só pude ver um mendigo, com uma blusa florida, sentado no bar. Voltei e sentei-me na cama, desapontada e ainda tremendo. Limpei os cacos que restaram do estranho globo de neve, enquanto pensava se alguma vez eu havia feito algo extremamente ruim ou estúpido com alguém que poderia estar causando isso, pois só podia se tratar de vingança. Sempre li nos livros que é preciso entrar dentro da cabeça do psicopata para tentar entender as possíveis razões de seus atos. Apesar de achar que nada justificava o inferno que estava passando, fiz uma recapitulação dos meus mais inconsequentes momentos.
Muitos desastres acontecem todos os dias, seja sua família rica, de classe média ou pobre. Comigo não foi diferente. Pais mortos, adotada aos quatro anos, déficit de atenção, problemas de sangue... Mas não se tratava disso. Tratava-se de dias como os que eu deveria estar em casa ao invés de em uma loja de óculos de sol, enquanto meus amigos precisavam de ajuda. Dias como os que meus pais passavam necessidades enquanto eu gastava em hotéis e escolas caras. É... Falhas que nem o mais cauteloso seria capaz de remediar, não sem conhecimento.
A porta abriu e pude ver os olhos negros do meu pai pela fresta. Pôs então a mão para dentro e jogou o livro de volta em minha cama.
_ É, não penso que foi o garoto da entrega, alguém com aquela camisa havaiana não iria ter bom gosto para livros.
Alcancei a janela e vi que não se tratava de um morador de rua naquele bar. Pensei em descer e confrontá-lo ou mesmo chamar a polícia. Mas, com que provas eu o acusaria? Em chamar a polícia, mas com que provas o acusaria? Todos iriam duvidar de minha lucidez, afinal, tudo isso parecia mesmo surreal. Fui a janela para ver se à distancia poderia reconhecê-lo,mas não havia ninguém no bar. Cheguei à soleira da porta e ia chamar por algum dos meus pais, mas ouvi o que temia antes que algo pudesse sair da minha garganta.
O grito de minha mãe ecoou por toda a casa, fazendo com que todos os meus sentidos ficassem paralisados. Desci cada degrau como se fossem feitos do mais frágil material. Fui me esgueirando pelas paredes até ver a última coisa que qualquer pessoa deveria presenciar. Senti minhas entranhas se revirarem, assim como tudo que eu me alimentara naquele dia. Segurei minha boca, tentando produzir o mínimo de ruídos possíveis. Desacordada no chão, minha mãe tinha todo o tronco repleto de sangue. No canto da sala, estava meu pai também desmaiado, mas sem nenhum sinal de violência. Abaixei-me e engatinhei para perto de onde estavam, mas na mesma hora vi uma sombra. Voltei rápido, para ganhar uma vantagem. Sabe em todos os filmes quando o herói está preste a morrer e tudo começa a ir bem devagar? Pois bem, na vida real tudo se move bem rápido. Principalmente seus pensamentos. Ainda abaixada, fui até o escritório e abri a última gaveta da escrivaninha do meu pai. No fundo, uma arma brilhava. Peguei-a, sentindo que com ela nada poderia fazer. Nem puxar o gatilho daquela coisa eu seria capaz. Voltei, na esperança de que, vendo as pessoas que eu mais amava do jeito que estavam, minha adrenalina pudesse me dar uma ajuda. Funcionou. Levantei-me rapidamente, mirando a arma na cabeça do agressor, que estava subindo as escadas, provavelmente procurando por mim.
_ Atrás de alguma coisa, querido? – tentei parecer segura, embora mal conseguisse me manter em pé. No segundo que falei ele se virou, destravou a arma e apontou pro meu rosto. Mas, ver o dele foi o suficiente para mim.
_ Oi Liz. Honestamente, você é mais desesperada do que eu me lembrava. Sites de relacionamento? Depois do que fez, a falta de alguém era o que eu mais esperava pra você.
Acho que a dor me fez anular os acontecimentos da memória. Estava na minha frente a pessoa que realmente tinha direito a me ver agonizar até a morte.
Quando tinha dezoito anos, tinha o mal hábito de fazer a combinação mais estúpida e usada pelos jovens dessa idade: álcool e direção. Pegava o carro sem habilitação, bebia e dirigia pela cidade. Uma noite, depois de muitas horas numa festa, chamei um casal de amigos para irmos na montanha, afim de ver o sol nascer. Para escapar do engarrafamento, fui na contramão. Vinha então um caminhão em alta velocidade, e com o reflexo lento por causa das bebidas, não pude evitar a batida. Quando acordei, estava num hospital, sozinha. Levantei e chamei pela enfermeira. Perguntei onde estavam as outras pessoas que estavam comigo. A enfermeira me olhou com pena.
_ Só deram entrada no hospital você e uma garota, mas o traumatismo craniano e hemorragia não ajudaram e não fomos capazes de fazer nada. Um rapaz colocou vocês na porta, falou que era culpa dele e desapareceu. Não deu para vermos direto, mas assim que melhorar, pode ir na delegacia e fazer um boletim de ocorrência. Consegue se lembrar dele, meu bem ?
Não conseguia, até agora. Zac fixou o olhar e pude sentir sua raiva e tristeza me penetrar.
_ Veja bem, deixei que se livrasse para que você acabasse aqui, nessa maldita cidade, em minhas mãos. Se encontrar com a Rach, diga olá por mim.
Mas antes que acontecesse, meus instintos reagiram. Num chute tirei o seu revólver e atirei. A bala atravessou seu peito e fixou-se na parede. Seu corpo continuou de pé e seus olhos ainda fitavam os meus.
_ Parece que terei que cumprimentá-la pessoalmente.
Desfaleceu então, com um sorriso doentio.
Nunca subestime o que foi destinado a ti por Deus, ou o que está sendo guiado por uma outra força em potencial. Já nasci marcada, direcionada a desventuras; mas você pode evitar. Cuidado aonde pisa, com quem fala e até o que pensa, pois mesmo de um modo indireto, aqui ou ali, você pode causar algo inesperado. Coincidência, meu caro, isso sim é imaginário. 

“ Para os dois desertores que eu mais amo. Saudades...”

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